quem é quem

Maria Manuela Barreiros de Sousa

Amélia Simões Figueiredo e Elisa Garcia1

Foto da esquerda: pelo seu casamento (1973).
Foto da direita: fardada para o estágio, como aluna da Escola de Enfermagem da Associação de Beneficência Casas de S. Vicente de Paulo (1966)2

Maria Manuela Barreiros de Sousa nasceu a 25 de dezembro de 1946 na Maternidade Alfredo da Costa na freguesia de São Sebastião da Pedreira, em Lisboa, única filha de Artur da Graça Soares de Sousa e de Zulmira Maria Barreiros de Sousa. Cresceu em pleno Estado Novo nos pós II Guerra Mundial, num contexto de grave crise económica e social que o mundo e o país atravessavam, depois de 1945. Viveu sempre na mesma cidade. Na sua infância e adolescência rumava até ao norte do país para visitar e passar férias, com os tios paternos e privar com os primos. Ao longo da vida manteve o gosto pelas viagens e abertura para conhecer o que era diferente, procurando a oportunidade para aumentar os seus conhecimentos e viver cada momento da vida em aprendizagem. A sua paixão pelo cinema não a deixava perder um bom filme e a oportunidade de o analisar e discutir. Tal como, um evento cultural ou o convívio social, integrado nas formas de diversão dos anos 60 e 70, marcados por novas ideias e uma maior abertura para o mundo. Casou-se em 1973 e dessa união nasceu o seu único filho, em 1977, no Hospital da Cruz Vermelha, como tinha previsto. Já sozinha, após o seu divórcio, o filho foi o seu grande companheiro e apoio nos altos e baixos da vida. Teve dois netos que já não conseguiu cuidar, mas vieram dar alegria e brilho aos seus últimos dias de vida amenizando a luta contra o cancro, do qual veio a falecer, em 22 de janeiro de 2020. Dedicou a sua vida à família e ao ensino de enfermagem, a tudo o que se relacionasse com a formação de adultos, com a comunidade, com a enfermagem comunitária e de saúde pública. De sorriso aberto, afável e disponível cativava os seus estudantes e com quem ela privava. Com uma postura de grande humanidade, de lutadora e trabalhadora incansável, tinha sempre tempo para ler mais um artigo ou uma obra de interesse cultural, ou científico, para satisfazer a sua sede de saber e aumentar a sua biblioteca privada.

Concluiu o ensino primário em 1957, na escola nº 36, na zona dos Olivais em Lisboa e o 2º ciclo do ensino liceal em 1963, no icónico Liceu Nacional, feminino, Maria Amália Vaz de Carvalho3 Detentora da habilitação académica exigida, à época, para frequentar o curso de enfermagem, decidiu ser enfermeira. Com 20 anos, concluiu o Curso de Enfermagem Geral na Escola de Enfermagem da Associação de Beneficência de Casas de S. Vicente de Paulo4 em julho de 1966. A Escola era aberta a candidatas religiosas e laicas tendo-se desenvolvido de forma a alcançar prestígio e notoriedade devido ao empenho da sua primeira Diretora (Amendoeira, 2006). A formação dada às estudantes era suportada por uma conduta e filosofia humanista cristã e pela racionalidade técnica, no âmbito das ciências médicas em todos os domínios considerados no currículo da formação inicial para os enfermeiros, à época (Madureira, 2017).Tal como era exigido, às escolas particulares5, fez o exame de estado no final do curso6 que constou de provas teóricas e práticas de conhecimentos de enfermagem, perante um júri na Escola de Enfermagem de Artur Ravara7, em Lisboa, tornando-se assim na “Enfermeira Barreiros de Sousa”.

Em 1970, concluiu o terceiro ciclo liceal (curso complementar dos liceus, antigo 7º ano). Como gostava do curso de letras, em 1971, ingressou no ensino superior e frequentou o primeiro ano do Curso de Filologia Germânica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com o estatuto de estudante trabalhadora, curso que interrompeu por não responder às suas expectativas. A sua procura pela diversidade do conhecimento e sua vontade em continuar a estudar levo-a, em 1986, a frequentar o Curso de Antropologia Social e Cultural na Universidade Internacional para a Terceira Idade, curso que não concluiu.

A opção pelo ensino de enfermagem e pela exigência da carreira docente, levou-a concluir o Curso de Enfermagem Complementar, Secção de Ensino em julho de 1972, na Escola de Ensino e Administração de Enfermagem8. Nos anos oitenta, o apelo pela formação especializada e pela intervenção comunitária e de saúde pública, permitiu-lhe concluir o Curso de Especialização em Enfermagem de Saúde Pública9 em dezembro de 1985, na Escola de Enfermagem Pós-Básica de Lisboa.

No início dos anos noventa, devido à integração do ensino de enfermagem no ensino superior politécnico, ao abrigo do n.º 1 do artigo 10 do DL n.º 480/88 de 23 de dezembro, alterado pelo DL n.º 100/90 de 20 de março, foi-lhe concedida a equivalência ao grau de Bacharel em Enfermagem e a equivalência ao diploma de Estudos Superiores Especializados em Enfermagem, em 1990. A sua vontade em aprender e acompanhar a evolução do ensino, permitiu-lhe adquirir o grau de Mestre em Ciências da Educação – área de Pedagogia na Saúde, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, em 1996. Orientada pelo Professor Doutor Rui Canário, defendeu a tese “Da formação dos enfermeiros à construção da identidade dos professores de enfermagem”, que aborda a problemática da integração do ensino de enfermagem no ensino superior politécnico (1988) e o despoletar de mudanças, no sistema educativo dos enfermeiros, passando os docentes de enfermagem a ter o estatuto de agentes activos na construção do desenho curricular, dos cursos de enfermagem, até então da responsabilidade do Ministério da Saúde. Com o seu trabalho de investigação procurou dar voz aos docentes de enfermagem sobre a sua identidade profissional10

Tinha sido no Hospital de Santa Maria que iniciou o seu exercício profissional como Enfermeira de 2.ª classe no bloco operatório e Serviço de Patologia Cirúrgica, de 1966 a 1967.Cedo percebeu que lidar com a doença e confrontar-se com a morte, que ocorria nos serviços, lhe causava muito sofrimento e não lhe permitia desenvolver o que mais gostava de fazer – ensinar os jovens que procuravam a formação em enfermagem. Deixou o hospital e regressou à escola que a tinha formado a convite da Diretora, à época, Irmã Cecília Maio, para exercer funções como auxiliar de monitora, cargo que exerceu de 1967 a 1974. Foi nesta instituição que fez todo o seu percurso profissional e a correspondente progressão na carreia docente11.Passou para a categoria de monitora em 1974, na qual se manteve até 1981, quando passou a Enfermeira Professora, até 1990.Na sequência da integração do ensino de enfermagem no ensino superior politécnico, decreto lei 480/88 de 23 de dezembro, e da transição dos docentes para a respetiva carreira do mesmo ensino, foi professora adjunta de 1990 a 1996 e professora coordenadora da Escola Superior de Enfermagem de São Vicente de Paulo, de 1996 até agosto de 2006, ano, em que se aposentou a seu pedido. No entanto, por conveniência da Escola aceitou continuar a trabalhar, até ao final do mesmo ano civil, como professora convidada.

A reforma imprimiu-lhe uma nova mudança e alterações e o seu quotidiano tornou-se penoso pela ausência dos estudantes e do anterior contexto sócio profissional. Procurou colmatar essa falta com as atividades ligadas à formação dos enfermeiros, como formadora do Instituto de Formação em Enfermagem situado na Amadora.

Para além do ensino foi sempre disponível para participar ativamente nos órgãos de governo da sua escola. Foi membro integrante do conselho científico e do conselho-pedagógico, do qual, foi presidente, em dois mandatos de 1999 a 2004. Também integrou o conselho diretivo e representou a escola e a sua direção em eventos académicos externos. Desempenhou cargos ligados à gestão pedagógica, sendo coordenadora do curso de licenciatura em enfermagem, de 1999 até 2007, regente de várias disciplinas e coordenadora de anos curriculares. Fez parte do grupo de trabalho para a elaboração dos estatutos da Escola Superior de Enfermagem de São Vicente de Paulo, na passagem para a integração no ensino superior politécnico. Foi júri de seleção dos candidatos ao Curso de Complemento de Formação em Enfermagem, de 1999 até 2006 e júri do concurso de professor adjunto em 2005, na mesma escola.

Ao longo do seu percurso profissional ensinou enfermagem tendo por base vários planos de estudos desde o plano de 1965, considerado um marco importante na formação inicial dos enfermeiros que os preparava para trabalhar tanto no contexto hospitalar como nos serviços de saúde pública, até ao plano de estudos da licenciatura em enfermagem. Em todos, foi regente de estágios, sendo responsável pela lecionação de aulas teóricas, orientação e avaliação dos estudantes no centro de saúde e de inúmeras unidades curriculares, nomeadamente, no âmbito da Investigação e Estatística, Teorias de Enfermagem, Perspetivas de Enfermagem, Enfermagem em Cuidados de Saúde Primários com desenvolvimento da Enfermagem de Saúde Pública e também a Enfermagem de Gerontologia. Também orientou inúmeras monografias no âmbito do 4.º ano da licenciatura em enfermagem. Procurou sempre acompanhar o desenvolvimento do ensino de enfermagem de forma a contribuir para os novos desenhos curriculares dos planos de estudos, das unidades e programas das disciplinas o que a levou a participar em grupos de trabalho para a organização e alteração do plano de estudos do Curso de Enfermagem, em 1998, da sua escola.

Desde sempre se preocupou com a atualização de conhecimentos e com o desenvolvimento de competências para o exercício profissional pelo que participou em vários congressos e frequentou inúmeros cursos de formação ao longo da vida, dos quais se destaca: o Curso de Formação de Formadores do Instituto do Emprego e formação profissional; a participação no II Cumbre Iberoamericano en Honor a la Calidad Educativa, em representação do Instituto de Formação em Enfermagem, Buenos Aires, Argentina, 2006; Meeting semestral-Federation of Occupational Health Nurses Within the Europea Union, Helsínquia, 2002; II Conferência Internacional da FINE em 1998 na Dinamarca; Reuniões decorrentes das comemorações do ano europeu das pessoas idosas e da solidariedade entre gerações em ligação com o projeto AgeingWell -Age Concern, em Inglaterra, França, Espanha, Itália e Grécia de 1993 a 1996.

Compreendendo a importância do conhecimento e da divulgação do mesmo participou em eventos e seminários ligados à investigação nacional e internacional relacionados com o desenvolvimento da enfermagem e a perspetiva educacional, a convite, com várias instituições apresentou comunicações em várias áreas do saber, o envelhecimento saudável e ativo; o adulto em formação e modelos de formação de adultos; desenvolvimento de competências em enfermagem de saúde mental-como formar; a importância da investigação em enfermagem pediátrica; perspetivar cuidados ao idoso; a importância da investigação na formação dos Enfermeiros; qualidade e exercício de cuidados em enfermagem (responsabilização)”; “apoio aos idosos -experiência portuguesa “Caring for Older people in rural Communities”; a morte -doente terminal-cuidados de Enfermagem.

A sua disponibilidade e interesse por outras atividades levou-a a participar com várias instituições das quais se destaca ter sido Professora da Escola Superior de Educação João de Deus na Licenciatura em Gerontologia Social, em 2008 e Coordenadora Pedagógica do Instituto de Formação em Enfermagem-Academia de Ciências de Enfermagem, em 2007, onde colaborou em vários cursos ligados à formação contínua para enfermeiros, como o Curso de Enfermagem no Idoso e a prática de Enfermagem e o Idoso. Integrou o júri de provas de mestrado “Respostas inovadoras para a população sénior – residências assistidas” do Curso de gestão de Serviços de Saúde do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa em novembro de 2007. Colaborou no Curso de Pós-Licenciatura de Especialização em Saúde Infantil e Pediatria, entre 2005 e 2006, enquanto Regente da Unidade Curricular de Ciências de Enfermagem. Participou num colóquio da Comissão permanente de intervenção social e cultura promovido pela Assembleia Municipal de Lisboa, em 2005 e vários grupos de trabalho para a valorização dos cuidados da pessoa idosa promovidos pela Ordem dos Enfermeiros,2005. Integrou o seminário organizado pela Comissão de Trabalhos e dos Assuntos Sociais da Assembleia da República, em 2004. A convite, da Escola Superior da Enfermagem Maria Fernanda Resende, participou no 12.º Curso de Especialização em Enfermagem em Saúde Pública, na opção Saúde do Idoso, igualmente, no primeiro e no segundo Curso de Pós-graduação em Geriatria e Gerontologia no Instituto de Formação Continuada em Saúde, da Universidade Autónoma de Lisboa, de 2002 a 2004. Participou na conceção, organização e foi formadora dos cursos de formação contínua “A saúde do Idoso e o apoio domiciliário” e “As relações humanas no contexto socioprofissional” de 2001 a 2003, na Escola Superior de Enfermagem de São Vicente de Paulo.

Foi membro dos Órgãos Sociais da Ordem dos Enfermeiros – Mesas da Assembleia Regional da Zona Sul de 1999 a 2003. A pedido da Ordem, em 2002, participou, na acreditação da Formação da Enfermagem no contexto da atribuição dos títulos profissionais. Pelo Despacho n.º 4131/2001(2.ª Serie DR n.º 48 de 26 de fevereiro 2001) foi integrada no grupo de trabalho para a criação da Especialização em Enfermagem de Saúde Familiar, decorrente da Conferência de Munique12, já tinha sido nomeada para o grupo de trabalho que preparou a primeira Conferência Europeia de Enfermagem que decorreu em Viena, em junho de 1998.

Como formadora integrou o plano de formação da ARSLVT – Sub-Região de Saúde de Lisboa em 1995/1996, colaborou no Encontro de Enfermagem a convite do Hospital Reinaldo dos Santos no Hospital de Vila Franca de Xira, em 1996 e na orientação de desempenho dos Enfermeiros avaliadores, a convite da ARSLVT– Sub-Região de Saúde de Lisboa. Participou na ação de formação para os enfermeiros dos centros de saúde a convite da ARSLVT – Sub-Região de Saúde de Lisboa, em 1995 e em ações de formação e cursos para enfermeiros dos CS da ARSLVT desde 1993, no âmbito da Saúde Materna, Saúde Infantil e Planeamento Familiar. Colaborou em workshop sobre a CIPE promovidos pela Associação Profissional de Enfermagem, em 1998 e no encontro de enfermagem. Participou no Curso de Formação para ajudantes de lar e de apoio domiciliário sobre “Gerontologia e Apoio Domiciliário” em Angra do Heroísmo, em 1992 e nos cursos de Formação Profissional para Auxiliares de Ação médica promovidos pelo Departamento de Educação Permanente dos Hospitais Civis de Lisboa, em 1990.

Defensora dos direitos dos enfermeiros e dos professores, foi filiada no Sindicato dos Enfermeiros Portugueses e posteriormente, no Sindicato Nacional do Ensino Superior. A sua grande disponibilidade para participar em atividades complementares, relacionadas com o interesse da profissão e dos enfermeiros, levou-a a associar-se e a colaborar com a Associação Portuguesa dos Enfermeiros e com a Associação Católica dos Enfermeiros e Profissionais de Saúde, onde exerceu o cargo de secretária da direção, entre 1967 e 1968. A inscrição na Ordem dos Enfermeiros com a cédula n.º 24082, permitiu-lhe o seu exercício profissional.

A produção científica também foi um dos seus investimentos. Integrou o conselho editorial e a comissão científica da Revista “Acontece Enfermagem” desde a sua criação em 2001, até ao seu encerramento aquando da transmissão da Escola de Enfermagem de São Vicente de Paulo para a Universidade Católica Portuguesa, em 2006. Deixou-nos várias publicações da sua autoria.

Escrever sobre a Manuela Barreiros de Sousa, enfermeira e também estudante militante, é procurar registar e analisar alguns “retalhos da sua vida” e a sua trajetória profissional de forma a dar a conhecer a professora e a mulher que foi, através de fontes curriculares, da sua imagem aos olhos dos que lhe foram próximos, e dos escritos que nos deixou. Estes, permitem-nos desvendar o que deixou ao longo da sua vida profissional, à enfermagem, à formação dos estudantes da sua escola e à comunidade de uma maneira geral, quer pelo envolvimento na formação profissional dos enfermeiros da sua Escola, quer pela participação ativa e cívica com inúmeras instituições e organizações. Tal como a própria menciona na introdução do seu curriculum “na vida é necessário, por vezes, parar, lembrar, registar e guardar TUDO o que com maior ou menor interesse ou participação demos aos outros e a nós próprios”

(Barreiros de Sousa, curriculum 2003, processo individual arquivo da UCP).

Publicações da autora
Sousa, M. M. B. (1998). O envelhecimento-uma abordagem pluridisciplinar. Servir, 46(6), 316-317. Sousa, M. M. B. (2001). Repensar e recriar a cena educativa: breves reflexões. Acontece Enfermagem, I (1), 16-17.
Sousa, M. M. B. (2001). A importância do livro. Acontece Enfermagem, I (1), 34
Sousa, M. M. B. (2001). Repensar e recriar a cena educativa: breves reflexões. Acontece Enfermagem, I (2), 33-34.
Sousa, M. M. B. (2001). Mudança na formação ou formação em mudança? breve reflexão. Servir, 51(1), 13-15
Sousa, M. M. B. (2005). Formação e identidade profissional: da formação dos enfermeiros à construção da identidade dos professores de enfermagem. Amadora: Instituto de Formação em Enfermagem.
Sousa, M. M. B. (2006). Investigação? A chave do desenvolvimento. Revista Portuguesa de Enfermagem, 5, 5-6.

1 Estudo biográfico realizado entre março de 2021 e junho de 2022. Publicado no site da Sociedade Portuguesa de História de Enfermagem

2 Fotografias cedidas por Tiago Antunes, filho da Manuela Barreiros de Sousa

3 Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho. Disponível em https://esmavc.edu.pt/index.php/escola/historia

4 Associação reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública e administrativa conferida pelo alvará do Governo Civil de Lisboa, em março de 1939, quando passou a ser entidade patronal da Escola de Enfermagem criada por influência da Irmã Eugénia Tourinho, da Companhia das Filhas da Caridade de S. Vicente de Paulo. Era diplomada em enfermagem pela Escola do Hospital “Des peupliers de Paris“, imbuída dos princípios e ideais da sua congregação dedicou-se aos mais pobres, desprotegidos e à assistencia aos doentes. Como enfermeira identificou a necessidade de preparar jovens raparigas para assistirem, com humanidade, os mais necessitados aliviando o seu sofrimento. Procurou e lutou por um espaço adequado para uma escola de enfermagem que permiti-se, às 8 alunas do primeiro curso de enfermagem, iniciado em novembro de 1937, uma aprendizagem regular, organizada e orientada da qual fazia parte a preparação teórico prática que incluia visitas domiciliárias, aos doentes internados, nos hospitais. A escola ficou sediada no edificio da Congregação no nº 94, da Rua de Santa Marta e manteve o seu funcionamento nestas instalações até 1949, ano em que passou para as instalaçoes da casa principal da Associação de Beneficiência Casas de S. Vicente de Paulo, na Avª Marechal Craveiro Lopes nº 10, na freguesia do Campo Grande, em Lisboa. A Irmã Eugénia, foi reconhecida pela Inspeção do ensino Particular do Ministério da Educação, em 1940, como diretora desta Escola, onde premaneceu até 1952, ano em que regressou ao Brasil (in brochura comemorativa do cinquentenario da Escola de Enfermagem de S. Vicente de Paulo, 1937 1987; brochura comemorativa do 60 º aniversário 1937-1997)

5 As escolas particulares eram criadas e mantidas por iniciativa privada mesmo quando recebiam subsídios do estado ou quando o estágio dos alunos era realizado em estabelecimentos oficiais (Amendoeira, 2006)

6 Esta obrigatoriedade surge em 1947 e obrigava as estudantes a prestarem provas, perante um júri, constituído por professores da escola pública e da escola privada, permitindo desta forma o reconhecimento oficial do diploma, de acordo com o decreto lei nº 36:219 de 10 de abril de 1947 (Alves, Jorge, et al , 1997). Até esse ano “os exames foram presididos e avaliados por um júri nomeado pelo Ministério da Educação Nacional e os diplomas das enfermeiras foram inscritos num registo especial aberto pela Inspeção do Ensino Particular”(Madureira, 2017)

7 Foi a primeira grande Escola Pública, de Enfermagem, em Lisboa. Teve como génese o primeiro curso prático de enfermeiros criado , em 1886, a funcionar no Hospital de S. josé,em Lisboa, o que levou, em 1901, à criação da Escola Profissional de Enfermeiros, posteriormente, em 1930, à Escola de Enfermagem de Artur Ravara (Silva, A.V.A., Macedo., E.M.C., Garcia, E.M, B., Marques, M.F., Pedroso, M.H.M., Varandas, M.L., 2007)

8 Decorrente da reforma do ensino de enfermagem de 1965, com o decreto lei nº 46.448 de 20 de julho, esta escola foi criada em 1967, para preparar enfermeiros para exercerem a docência em enfermagem e para os cargos de chefia. Procurou, sempre, promover a especialização de saberes, o desenvolvimento da investigação e da disciplina de enfermagem de forma interdisciplinar (Amendoeira, 2006)

9 Este curso foi iniciado em 1977e ministrado, inicialmente, na Escola de Enfermagem de Saúde Pública, criada em 1967, para dar resposta à urgente necessidade de formar pessoal de enfermagem de saúde pública. Em 1971, decorrente da politica unitária da saúde e assistência, deu-se inicio à reforma dos serviços de saúde, e à reformulação da carreira de enfermagem criada em 1967, consequentemente, passou a ser considerada condição necessária formar pessoal de enfermagem especializado em enfermagem de saúde pública. O plano de estudos, orientado por uma equipa multiprofissional, pretendia formar especialistas com base no conhecimento da realidade do país no campo do ensino e do exercício profissional. Foi o primeiro curso de especialização a integrar a investigação na aprendizagem dos enfermeiros( Garcia, 2016)

10 Cf Sousa , Maria Manuela Barreiro de (1996) Da formação dos enfermeiros à construção da identidade dos professores de enfermagem https://repositorio.ul.pt/handle/10451/33119?locale=en

11 Cf- A carreira do ensino de enfermagem DL nº 414 , de 27 setembro de 1971, artigo 29, remetia para as normas aplicáveis para o ingresso e acesso constantes no artigo 5º, do DL 48166, de 27 dezembro de 1967. Previa a categoria de auxiliar de monitor, monitor, enfermeiro professor, monitor chefe e diretor da escola. Os enfermeiros monitores eram recrutados por concurso de provas, de entre os auxiliares de monitores. com pelo menos dois anos na categoria, habilitados com o curso complementar de enfermagem secção de ensino. Os enfermeiros professores eram recrutados por concurso de provas, de entre os monitores, com pelo menos de três anos de exercício na categoria.

12 Cf. Na Conferência Ministerial da OMS, que decorreu em 2000, em Munique foi valorizada a família como foco dos cuidados de enfermagem e a importância do enfermeiro de família na promoção e manutenção da saúde familiar.

Fontes
Entrevista ao Tiago Antunes, filho da Manuela Barreiros de Sousa sobre “a pessoa e a enfermeira Barreiros de Sousa” (1.30h) 8 de março de 2021. Lisboa
Maria Manuela Barreiros de Sousa- Processo individual (vol. I e II). Documentos com dados do percurso profissional e curriculum vitae de 2003 e 2008. Arquivo dos recursos humanos, da Universidade Católica Portuguesa. Lisboa.

Outras fontes
Alves, J, et al. (Eds.). (1997). Comemoração do 60º Aniversário (1937-1997). Escola Superior de Enfermagem de São Vicente de Paulo.
Amendoeira, j. (2006) Uma Biografia Partilhada da Enfermagem. Coimbra: Formasau
Escola Secundária Maria Amália Vaz de Carvalho. A História da Escola: Disponível em https://esmavc.edu.pt/index.php/escola/historia
Escola Superior de Enfermagem de São Vicente de Paulo (Eds.). (1987). Comemoração do Cinquentenário (1937-1987). Escola Superior de Enfermagem de São Vicente de Paulo: Gráfica Maiadouro.
Garcia, E.M.B (2016) Evolução Histórica do Ensino de Enfermagem de Saúde Pública (1901-1977) [Dissertação de Doutoramento não publicada] Universidade Católica Portuguesa.
Madureira, M. (2017) Escola Superior de Enfermagem de São Vicente de Paulo: uma história ao Serviço da Formação. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa
Silva, A.V.A., Macedo., E.M.C., Garcia, E.M, B., Marques, M.F., Pedroso, M.H.M., Varandas, M.L. (2007) Escola Superior de enfermagem de Artur Ravara, Pioneira no Passado, Atuante no Presente, Inovadora no futuro.121 anos de História. Loures: Lusociência
Sousa, M. M. B. (1996) Da formação dos enfermeiros à construção da identidade dos professores de enfermagem. [Dissertação de Mestrado não publicada] Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. Universidade de Lisboa: Disponível em: https://repositorio.ul.pt/handle/10451/33119?locale=en

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Manuel Leitão Branco

Lucília Nunes e Ana Pires1

A figura de Manuel Leitão Branco emergiu no horizonte nacional de Enfermagem em 1948, quando assumiu a presidência da Comissão Administrativa do Sindicato Nacional dos Profissionais de Enfermagem2 (S.N.P.E.), cargo que exerceu até 1957.

Se dele pouco sabemos quanto aos seus dados biográficos (sabemos que nasceu a 3 de agosto de 1911 e foi enfermeiro principal da Companhia Carris de Lisboa3) podemos, no entanto, identificar qual o seu pensamento sobre a profissão de enfermagem pelo que deixou escrito na Revista de Enfermagem, publicação do Sindicato iniciada em Outubro de 1953, ao mesmo tempo que, nesses escritos, podemos visualizar os principais problemas com que a profissão se debatia nesse tempo.

Ao colocar como limites temporais os anos de 1948 e 1957 estamos a referir praticamente uma década, em que o país vivia com o regime do Estado Novo e com as consequências do pós-II Guerra Mundial.

A vitória dos aliados e das democracias ocidentais originou, internamente, uma expectativa de transformação e abertura do regime que se saldará, no final, por um fortalecimento do regime não só no plano externo com a adesão de Portugal à NATO, como no plano interno, com a eliminação de qualquer possibilidade de oposição política (Rosas,2013).

O corporativismo, enquanto esteio doutrinário do Estado Novo, consolida-se constituindo-se como “um instrumento de controlo e ‘disciplina’ social do movimento operário e sindical” (Rosas, 2013:281) e foi, segundo Rosas, um dos factores de longevidade do Estado Novo. Os Sindicatos Nacionais surgem como instrumentos de controlo estatal, “organismos primários da ‘pirâmide corporativa’ (ib:294), únicas estruturas representativas dos trabalhadores, garantes da harmonia e da ordem.

Os Sindicatos Nacionais eram policiados pelo Governo e as suas direcções dependiam de homologação governamental. O direito à greve era proibido e a negociação coletiva “fortemente limitada, nomeadamente através da sua sujeição a controlo administrativo”4. O sindicalismo durante o Estado Novo era “ um fenómeno essencialmente urbano, parecendo ser o grau de concentração geográfica dos sindicatos directamente proporcional ao grau de industrialização e de urbanização dos diferentes distritos. Daí as «assimetrias entre os distritos de Lisboa-Porto e os restantes distritos, mas também entre boa parte do litoral e de todo o interior do país»”5.É neste contexto ideológico que Manuel Leitão Branco assumiu a presidência do Sindicato Nacional dos Profissionais de Enfermagem. Nessa condição assinou os editoriais da Revista de Enfermagem e alguns artigos ao longo dos anos em que esteve à frente do Sindicato.

No primeiro número da revista do S.N.P.E., em outubro de 1953, Manuel Leitão Branco foi apresentado como “enfermeiro principal da Companhia Carris de Lisboa, como presidente do Sindicato Nacional dos Profissionais de Enfermagem há mais de 5 anos, tem-se distinguido na acérrima defesa do prestígio da Classe, tomando parte em Congressos de carácter nacional e internacional, e ainda noutras reuniões de importância, promovendo conferências e apresentando comunicações e outros trabalhos de interesse deontológico e profissional”6. Logo neste primeiro número da revista o Professor Costa-Sacadura (que entre outros cargos foi director da Escola de Enfermagem Artur Ravara), na sua nota de apresentação afirmou que Manuel Leitão Branco foi “em boa hora escolhido para este delicado e difícil posto” e tem levado a cabo um trabalho que visa não só os interesses materiais dos enfermeiros, mas também a promoção do conhecimento através da realização de “uma série de notáveis” conferências. Esta apresentação elogiosa sugere que o enfermeiro Leitão Branco seria já reconhecido como profissional antes de ser presidente do Sindicato.

Nesse primeiro número da revista o artigo assinado por Leitão Branco refere-se ao “Exercício ilegal de Enfermagem” e começa com “As notícias que chegam até nós, quase diariamente, dos mais diversos pontos do país, deixam-nos convictos que a prática ilegal de semelhantes actos continua impunemente, com absoluto desrespeito pela legislação em vigor. Sobre este assunto, muito se tem escrito e dito e não há jornal ou revista, creio eu, que a ele se não tenham referido, com mais ou menos desenvolvimento, sem que o problema encontrasse até hoje, completa e desejada solução”7. Leitão Branco referiu que a acção das autoridades competentes “tem sido de certo modo meritória”, não obstante “dado o número de infractores que se encontram por toda a parte, não lhes tem sido possível eliminar tal praga”8.

Releva que esta questão é um problema de natureza social “da mais alta importância” constatando, no entanto, que “não é só dos nossos tempos, mas sim dos tempos mais recuados, pois de há muito a pobre humanidade suporta uma chusma de indivíduos que, sob os mais variados disfarces, invadem o campo da enfermagem e não menos vezes o campo da medicina”9. Entendia que “(…) a profissão de enfermagem é uma profissão nobre, é mesmo uma profissão sublime, mas só quando exercida pelos verdadeiros profissionais, e nunca por «enfermeiros furtivos», ou antes, amadores aventureiros”10.

Sublinhou que o número de infractores será tão grande – exercício ilegal, praticado por “criaturas insensatas, despidas de toda a sensisibilidade humana” – que as autoridades não conseguem controlar o problema, sendo que seriam necessárias “mais acurada vigilância da autoridade policial e de maiores e mais severas sanções dos tribunais competentes”. Afirmou ainda que o número de diplomados existentes em todo o país deveria permitir eliminar o problema.

A terminar o artigo, Manuel Leitão Branco, considerou serem duas as vias para acabar com a situação: o desenvolvimento do ensino de enfermagem (“que tão acarinhado tem sido por Suas Excelências o Ministro do Interior e Subsecretário da Assistência Social”), e a repressão sobre os infractores. Mesmo sendo “uma tarefa difícil”, não se poderia admitir “que esta praga daninha, nódoa negra dum povo civilizado, continue a manchar o prestígio de uma classe, que tantas vezes tem visto seu nome envolvido em actos que não comete.“ O caminho apontado para o combate ao exercício ilegal ia ao encontro da necessidade que o S.N.P.E. defendia, de colocar o Estado num papel regulador, controlador e interventivo na definição dos campos profissionais.

Anotamos também a preocupação expressa com a população – “É de facto necessário contrariar este hábito tradicional e clássico do nosso povo, que consiste em inadvertidamente entregar a sua saúde (bem precioso, de incalculável valor) ao primeiro charlatão que lhe apareça. Há que lutar contra todos aqueles que sem qualquer preparação ou título, pretendem infiltrar-se numa classe que, devidamente organizada, deve merecer o respeito de todas as outras classes sociais, organizadas ou não, quer pelo seu valor moral e espiritual, quer ainda como factor social desta prestigiosa Nação”.

Também no primeiro número da Revista de Enfermagem, que temos vindo a referenciar, escreveu na coluna “Actividades Sindicais”: “Esta é uma das mais árduas campanhas em que o Sindicato se tem empenhado. As queixas dos nossos associados surgem-nos de todos os pontos do país – e o Sindicato utiliza todos os meios ao seu dispor afim de alcançar o total desaparecimento dos pseudo-profissionais. Quando essas queixas têm real fundamento e se encontram devidamente testemunhadas, enviam-se participações à Polícia Judiciária, Inspecção do Trabalho e aos Ex.mos Governadores Civis, conforme os casos. Estas entidades têm colaborado com este Organismo na repressão do exercício ilegal, justo é dizê-lo; apesar disso, não foi muito o que se conseguiu até hoje. Algo se realizou, no entanto, e a campanha continua, convictos de que o nosso trabalho não será improfícuo.”11

No decreto12 que reorganizou os Hospitais Civis de Lisboa, em 1918, já se fazia referência ao problema do exercício ilegal de enfermagem e chamou-se a atenção para a necessidade de se remodelar a Escola Profissional de Enfermagem e de se criarem critérios de competência, idoneidade moral e aptidão no recrutamento do pessoal hospitalar. Nesse decreto foi também estabelecida a exigência da detenção do curso da Escola Profissional de Enfermagem para aceder aos lugares do quadro definitivo dos Hospitais. Mas o esforço legislativo que se foi realizando ao longo do tempo no sentido de garantir uma cada vez maior exigência de habilitações académicas, de critérios de aptidão e idoneidade moral não impediu que 35 anos depois o assunto fosse alvo da atenção do Presidente do Sindicato Nacional dos Profissionais de Enfermagem no primeiro número da publicação da Revista de Enfermagem.

Manuel Leitão Branco tomou posse como vereador da Câmara Municipal de Lisboa em fevereiro de 1954, o que foi noticiado13 na Revista de Enfermagem. A sua nomeação decorreu em substituição do tenente-coronel António Augusto dos Santos, novo adido militar em Washington, pois nas eleições municipais tinha sido o vereador-substituto mais votado. A gravura da tomada de posse14, datada de 16 de fevereiro de 1954, pode ser vista na Revista Municipal da Câmara Municipal de Lisboa.

O Sindicato Nacional dos Profissionais de Enfermagem promoveu ações de diferentes formatos (incluindo a divulgação dos nomes daqueles que exerciam ilegalmente enfermagem em Portugal) para combater o exercício ilegal e defender o campo de intervenção da “classe” socioprofissional. A afirmação da profissão e a maior respeitabilidade socioprofissional assentavam em afastar aqueles que exerciam enfermagem sem habilitação legal para o efeito e valorizar os diplomas profissionais emitidos pelas escolas de enfermagem.

No decreto-lei que reorganizara o ensino de Enfermagem, em 1947, reconhecia-se que, “em Portugal, além da falta de pessoal de enfermagem, o problema reveste ainda um outro aspecto: baixo nível de preparação técnica, embora compensado, em parte, pelo tradicional carinho dispensado aos doentes pelos enfermeiros que os assistem. E como o número de doentes internados nos hospitais, sanatórios e casas de saúde duplicou no último decénio (…) o déficit de pessoal de enfermagem aumentou consideravelmente e apenas será reduzido na medida em que o funcionamento de novos estabelecimentos for acompanhado da criação de escolas destinadas a preparar o pessoal que neles deva prestar serviço”15.

Para o S.N.P.E., a credibilidade social e profissional da enfermagem passava também pela construção de um conjunto de normas e regras de boa conduta que deviam ajudar a implementar uma imagem cuidada das enfermeiras e a promover uma identidade profissional forte. Este assunto foi abordado várias vezes na Revista de Enfermagem, numa perspetiva explícita sobre a deontologia profissional e no incremento da formação, na compreensão do capital intelectual para a legitimação. Por isso, as jornadas e a formação destinavam-se a “aperfeiçoar, sempre mais e melhor, os seus conhecimentos e a dignidade e a nobreza de uma profissão”16. Este aprofundamento do conhecimento constituía uma mais valia para o engrandecimento da jurisdição profissional e o S.N.P.E., ao longo das décadas de 50 e 60, promoveu cursos de aperfeiçoamento profissional e cultural, jornadas e semanas orientadas para a reflexão sobre a enfermagem. Genericamente a partir da década de 50 assistimos à realização de jornadas nacionais, também com o objectivo mostrar a vitalidade dos enfermeiros portugueses. O envolvimento do S.N.P.E. materializou-se em concreto na organização da I Reunião de de Enfermeiros Portugueses, em 1950, no 4º Centenário da morte de S. João de Deus, em Lisboa.

Nesta primeira Reunião estiveram presentes mais de 800 profissionais -“Sem dúvida que essa primeira Reunião, quando se celebrava o IV centenário da morte de S. João de Deus, em Lisboa, constituiu grande surpresa tanto para as entidades oficiais como até para nós; para as entidades porque não tinha havido ainda qualquer possibilidade de poderem aquilatar do espírito de união, coesão e consciência cívica da classe, e, para nós, porque nunca supuzemos ser possível apresentarmo-nos em massa sob as vistas dessas autoridades e, por outro lado, porque julgávamos um sonho reunirem-se tantos no mesmo local”17.

Assim, o S.N.E.P.E. intentou organizar a segunda reunião, “para adquirirmos experiência têcnica e tática para realizar o tão almejado Congresso da Enfermagem.” Assinalavam-se as dificuldades, pelos serviços assistenciais que obrigavam a “uma quase contínua permanência” e pelas más posições económicas, dada a “exiguidade de vencimentos”.

Na II Reunião Nacional, realizada a 20 de junho de 1954, em Coimbra, subordinada ao tema A Enfermeira, militante da Saúde19, Leitão Branco, sem prejuízo do reforço do enquadramento político epocal19, afirmou: “Uma das grandes preocupações do Governo da Nação tem sido o Problema da Assistência em Portugal e, a par da construção de grandes e pequenos hospitais, uns já concluídos, outros em vias de conclusão, há o desejo veemente, da parte das entidades responsáveis, de criar uma enfermagem capaz de corresponder, em número e qualidade, ao elevado fim a que se destina. O desenvolvimento do ensino, a criação de novas escolas, as exigências no recrutamento dos novos candidatos e, ainda, a profunda alteração introduzida na matéria dos cursos, são testemunhos flagrantes das minhas afirmações”20.

O delegado de Coimbra, Alberto Mourão21, reforçou o entendimento sobre o papel do sindicato – “os Sindicatos têm desempenhado as mais diversas tarefas – desde a verdadeira união com fins educativos e sociais às catastróficas uniões operárias de princípios comunistas, que, sem orientação moral, se tornam elementos temíveis na política interna das nações. Se encararmos bem nestas duas ordens de sindicatos, vemos quão alto é o vaIor – positivo ou negativo – destas associações e o valor relativo da sua actuação no equilíbrio social do mundo. Uma nação é tanto mais progressiva quanto mais exemplar se mostra a sua actividade sindical.”22.

Em harmonia, Leitão Branco afirmou que “Na realidade, urge que o nosso Estado Corporativo, no prosseguimento da sua notavél missão, legisle de forma a serem satisfeitas as justíssimas reivindicações da classe, fundamentalmente no que diz respeito a horários de trabalho, ordenados mínimos, assistência na doença e invalidez e repressão do exercício ilegal da enfermagem (…) Assim, o problema, como ressalta das minhas palavras, só pode ser resolvido com uma colaboração perfeita entre o Estado e o Sindicato. Necessário, por isso, sería também que deixasse de existir por completo, da parte de certas entidades oficiais, relutância em tratar connosco de assuntos que, interessando à classe, interessam consequentemente à própria Nação.”23.

Propôs a criação de uma Comissão Nacional de Enfermagem, na esteira de uma proposta anterior da Enfermeira Repenicado Dias, e a “fixação de uma data que fosse considerada por excelência «O DIA DA ENFERMAGEM PORTUGUESA». Assim, proponho que seja fixado para esse efeito o dia 8 de Março de cada ano, data em que se comemora a morte de São João de Deus, patrono da Enfermagem”24. Esta proposta foi acolhida com aprovação e aclamação, passando desde 1954, a assinalar-se o 8 de março como dia da Enfermagem Portuguesa.

A revista noticiou a Romagem às relíquias de S. João de Deus, em Granada25, incluindo esta viagem monitores de Escolas e alunos, neste caso como o prémio de maior classificação do final do curso, patrocinados pelo Subsecrtário de Estado da Assistência Social. A placa de prata deixada no local, na sequência do discurso de Leitão Branco, tinha a seguinte inscrição “Romagem dos Profissionais de Enfermagem portugueses às relíquias do seu patrono, São João de Deus, a 4 de setembro de 1954.”26

A presença em Portugal da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus remonta ao séc. XVII. Se no inicio a Ordem foi chamada a criar e gerir os “Reais Hospitais Militares”27 estabelecidos ao longo da Fronteira com Espanha na sequência da Guerra da Restauração, ao longo do tempo foi desenvolvendo um trabalho de acolhimento e assistência aos doentes e necessitados (Sampaio, 2019). Extinta em Portugal em meados do séc. XIX na sequência das lutas liberais estabeleceu-se de novo no país no final desse século. A Ordem conseguiu ultrapassar as dificuldades decorrentes da instabilidade dos primeiros anos da República e manter-se em funcionamento sobretudo devido ao elevado número de doentes que tinha a seu cargo e à qualidade da assistência prestada. Com várias casas estabelecidas em Portugal a Casa de Saúde do Telhal ficou reconhecida como um hospital de vanguarda. Sob a direção clínica do Dr. Luís Cebola28 foram postos em prática princípios novos no tratamento dos doentes mentais como a ergoterapia. A Casa de Saúde foi utilizada, pelo governo, para recuperação dos militares gaseados que regressaram da I Guerra Mundial, sendo este um sinal da qualidade da sua assistência. A partir de 1925 criou o seu próprio curso de enfermagem com o objetivo de aumentar as competências dos religiosos na assistência aos doentes, baseada no conhecimento científico. A Casa do Telhal foi uma instituição com prestígio técnico cientifico internacional que, sendo dirigida por um republicano, não deixou de afirmar como o exemplo de S. João de Deus o fez compreender a importância do cuidado ao doente mental. As comemorações do IV Centenário da morte de S. João de Deus, em 1950, foram um ponto alto no reconhecimento da importância da figura de João de Deus na assistência aos doentes e, em consequência, na Enfermagem em Portugal.

Na III Reunião Nacional de Enfermagem, em 1955, de acordo com o texto na Revista, Leitão Branco discursou nos termos seguintes:

“A nossa enfermagem chegou a um ponto crucial da sua história.
Estão preparados todos os elementos para tornar a Enfermagem portuguesa naquilo, que nós queiramos que ela seja, conforme o caminho, para onde nos voltarmos assim teremos uma enfermagem muito boa, à altura da categoria do País que servimos, ou temos uma Enfermagem sem importância.
De qualquer modo estamos no limiar duma nova época para nós.
Estamos no início por assim dizer da nossa organização em moldes actualizados e segundo o moderno conceito de Enfermagem.
No presente momento a nossa Enfermagem não está a merecer ao País a assistência a que o País tem direito.
O número de elementos dos profissionais de Enfermagem é reduzidíssimo para as necessidades e acontece que numerosos hospitais do País não contam nos seus efectivos com um único Enfermeiro. Até mesmo nos hospitais centrais a escassês do pessoal de Enfermagem qualificado preocupa enormemente as administrações.
Não há dúvida que muitos dos nossos doentes não podem contar connosco mas como têm de contar com alguém, sujeitam-se às mirabolâncias dos adventícios que sempre aparecem, com prejuízo para si próprios, para nós e para a assistência pública.
Quanto a nós, Enfermeiros regulares, e porque é forçoso assistir, bem ou mal, mas assistir de qualquer modo os nossos doentes, descemos a misturar-nos com curandeiros oriundos de todas as Profissões a que podemos considerar clandestinos.
Como constitui supremo ideal da nossa profissão tratar os nossos doentes condignamente e humanamente, não deveremos desfalecer perante todos os muitos esforços que de nós vão ser exigidos para que elevemos uma classe de verdadeira Enfermagem ao nível que ela deve ter.
Como preâmbulo desta organização já foi entregue uma exposição a Sua Exceléncia Ministro das Corporações dando-lhe conta das anomalias corporativas da classe.
Está neste momento em .preparação uma análise detalhada das condições em que a Enfermagem está a ser exercida por todo o País e que deverá ser dentro em breve entregue à consideração de Sua Excelência o Subsecretário da Assistência Social.
Nesse relatório se sugere as medidas gerais imediatas capazes de emendar a situação.”29

Em 1956, na revista nº 13, destacou-se o X aniversário da fundação do Sindicato. No Editorial, o Presidente assinalou que tinham associado os 10 anos do Sindicato com as comemorações do aniversário da morte de S. João de Deus e que nesse período de 10 anos ficara “o exercício da profissão melhor controlado e legalizado dentro da estrutura corporativa” e desde 1945 que “o Sindicato tem procurado, por todos os meios, atingir uma melhoria do nível económico, cultural e profissional dos associados. levando a cabo realizações que já hoje se podem considerar de extraordinária importância nos seus efeitos sociais.”30. Destacou com especial relevo a I Reunião dos Profissionais de Enfermagem, a criação da Revista, bem como as reuniões de Coimbra (1954) e Porto (1955), em que “centenas de enfermeiros e enfermeiras contactaram pessoalmente, trocaram impressões e alvitraram problemas que já hoje se procuram encaminhar por sentidos verdadeiramente práticos.”31.

O Sindicato assinalou o centenário de Florence Nightingale com uma exposição icono-bibliográfica, fez-se “representar no X Congresso Internacional de Medicina do Trabalho e no I Congresso Nacional da Marinha Mercante, apresentando comunicações em que se defenderam determinados problemas de enfermagem no sector do trabalho industrial e nos transportes marítimos”. E foi apontado que “como corolário destes 10 anos de actividade sindical, pensa o Organismo levar a cabo no próximo ano o I Congresso Nacional de Enfermagem. Dele deverá sair como primeira realidade o estabelecimento de um Estatuto de Enfermagem. A par desse Estatuto, surge a necessidade da criação de um Conselho Nacional de Enfermagem, que já foi superiormente proposto, e através do qual se fará entrar a profissão dentro de novas bases de disciplina e ética, garantindo-se um melhor nível social e cultural para os enfermeiros portugueses.”32. Como sabemos, estes desideratos, sob outras designações, viriam a cumprir-se décadas mais tarde. As comemorações serviram também como ocasião para conferências na Sociedade de Geografia, inauguração da biblioteca do Sindicato Nacional dos Profissionais de Enfermagem e o encerramento das comemorações na Casa de Saúde do Telhal.

Em junho de 1956, na inauguração da sede regional do S.N.P.E. foi realizada uma homenagem a Manuel Leitão Branco, que se dirigira à cidade para conferir posse ao novo delegado do Sindicato em Ceira e Hospital Sobral Cid, cerimónia em que esteve presente o Inspector de Assistência, Dr. Machado de Araújo e em que o auto de posse foi lido por Maria Fernanda Resende. No discurso de homenagem, Alberto Mourão afirmou: “A Comissão Administrativa desta Secção sente-se muito honrada com a iniciativa que lhe pertence totalmente de promover uma homenagem ao Presidente Manuel Leitão Branco. Homenagem justa e bem merecida. Que por isso mesmo não saiu das normas estabelecidas para os nossos actos que queremos sejam sempre isentos de partidarismos. Hoje prestamos justiça, meus senhores, simplesmente, justiça ao valor de um homem que à nossa causa, à causa da enfermagem, tudo tem entregue.”33.

E percebemos, no final do discurso e nas referências mais pessoais, que Leitão Branco não teria estado anteriormente envolvido com o Sindicato, que “navegava em águas muito turvas”, e confidencia “até que Leitão Branco nenhuma simpatia nutria por tal organismo, e, se o escolheram foi realmente porque ele era um valor; portanto já tinha dado as suas provas, sociais, humanas, profissionais e políticas. Em boa hora ele veio.”34.

Leitão Branco andou “a correr o País num carro que possuía e do qual se desfez para aguentar a sua posição sindical” e o seu reconhecido dinamismo e entusiasmo terão congregado enfermeiras e enfermeiros – “sob a orientação do Leitão Branco o Sindicato se tornou um organismo prestigiado”. Aliás, terá sido alterada a estrutura, uma gestão baseada em provas (“com o advento do Branco, entrámos na era das provas”35), era ouvido e atendia-se ao que dizia. Leitão Branco disse aceitar a homenagem “não para ele, mas para a classe de enfermagem” e referiu que a meta seguinte a que iria dedicar-se era ao horário de trabalho.

Em 1957, face à eleição dos novos corpos gerentes do Sindicato, que se efetivou a 30 de março, Manuel Leitão Branco deixou de ser presidente e diretor da revista. Os textos referem os discursos – e, por exemplo, Alberto Mourão, “lamentou o afastamento do Enfermeiro M. L. Branco, do cargo que, com tanto brilho e eficiência, desempenhou durante 8 anos”36; Afonso Marchueta (que era assistente corporativo e consultor jurídico) “traçou rasgado elogio à acção e à personalidade do ex-presidente apontando-o como exemplo aos que acabam de o render. Exaltou as qualdades de fé, de honestidade e de disciplina do Enfermeiro Branco, sintetizando-as na expressão de «o dirigente que serviu e não se serviu». Mostrou-se esperançado em que o Sindicato, «com o auxilio de Deus e a vontade dos homens» continue a singrar em favor de uma classe que muito merece.”37

Leitão Branco “declarou-se compensado pelo nivel que o Sindicato atingiu na vida do Pais e tranquilo por ter podido entregá-lo, agora à «fina-flor» da Enfermagem.” E, numa declaração emotiva, pediu “ao Presidente da Direcção que fizesse arrecadar a velha bandeira da sede do Sindicato Nacional dos Profissionais de Enfermagem, manifestou-se empenhado em que lhe seja dada a honra de ter a sua urna funerária coberta por aquele simbolo do seu labor apaixonado em prol do engrandecimento da classe. Terminou, fazendo votos que o Sindicato continue a ser digno dos profissionais que epresenta.”38

A redação da revista39 publicou uma página intitulada «Manuel leitão Branco», referindo que “Através de sucessivas eleições sindicais, com a renovação de um ou outro elemento, foi o seu nome insistentemente designado para o ingrato, mas honroso cargo de Presidente, devendo acrescentar-se que ninguém, melhor do que ele, estaria ao facto dos graves e complexos problemas que afectavam a classe de enfermagem e a sua organização sindical. O conhecimento directo dos problemas, a sua competência e prestígio pessoal, fizeram dele, através destes longos anos, um autêntico desbravador de caminhos ainda inexplorados da profissão e da sua própria organização no nosso País. A dignificação da classe em bases éticas e legislativas, a sua organização em moldes idênticos aos de outros países e ainda a conquista de algumas regalias sociais e culturais para os enfermeiros, foram tarefas árduas que desde o princípio se lhe impuseram com verdadeiro interesse.“40

Sabemos que esteve presente numa visita ao Centro Materno Infantil Doutor Bissaya Barreto, e discursou elogiando a obra “não só nos seus aspetos técnicos como no conforto espiritual e moral que os internados recebem.“41

Sabemos que em 1968, foi eleito membro da Direção (tesoureiro) dos primeiros corpos gerentes42 da Associação das Enfermeiras e Enfermeiros Portugueses, cujos estatutos foram aprovados por despacho do Ministro da Educação Nacional, tendo sede provisória na Escola Técnica de Enfermeiras, no Instituto Português de Oncologia. Manuel Leitão Branco foi o sócio nº 8 da Associação das Enfermeiras e Enfermeiros Portugueses, tesoureiro no 1º mandato de 1968 a 1971. Anote-se que esta Associação, cuja primeira presidente da Direção foi Crisanta Monteiro Regala, se tornou membro do Conselho Internacional de Enfermeiros em 1969 e, em 1979, “mercê das mudanças sociais e profissionais ocorridas após o 25 de Abril de 1974, a Associação iniciou o estudo para a mudança dos estatutos”, passando a designar-se Associação Portuguesa de Enfermeiros.

“Os sindicatos nacionais criados pelo Estado Novo tinham muito pouco de organismos representativos, autodirigidos e autênticos. Nem por isso deixaram de adquirir, ao longo de décadas, uma certa dimensão em efectivos, quotizações e meios de acção, bem como uma certa rotina no tratamento de problemas dos trabalhadores, na condução (ou simulação) da negociação colectiva, etc.”43 Em termos lineares, os sindicatos nacionais sucederam-se às associações de classe ou sindicatos dos anos 20, depois chamados “sindicatos livres”44 como maneira de os distinguir dos sindicatos tutelados pelo Estado autoritário (Barreto, 2000) e já no final da década de 60, houve reforma45 na lei sindical, Mesmo considerando o enquadramento corporativista, confinada a ação do sindicato ao regime político, ainda assim Leitão Branco discursava expressando a convição que o sindicato podia ter um papel unificador e poderia mudar a profissão. Entregou, a 7 de dezembro de 1954, uma exposição ao sub-secretário de Estado da Assistência Social, em que afirmava: “Para estudar o problema da Enfermagem, identificando-lhe as causas e propondo-se as soluções, sugere-se a criação de um Conselho nacional e de um Estatuto nacional que regule a atividade deontológica e técnica”46.

A sua proposta de assinalar o 8 de março como Dia da Enfermagem Portuguesa, aprovada em 1954, manter-se-ia nas décadas seguintes até que o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses passou a assinalar o 12 de maio, Dia Internacional do Enfermeiro.

1 Estudo biográfico realizado entre janeiro e maio de 2022. Publicação no site da Sociedade Portuguesa de História de Enfermagem em novembro de 2022

2 O primeiro presidente do Sindicato Nacional dos Profissionais de Enfermagem (fundado em 1945) foi Domingos Pereira Bento. À sua morte, em 1948, seguiu-se-lhe Manuel Leitão Branco. Depois, em 1957, Daniel Pinto, seguindo-se Pulquério M. Almeida em 1960 e José Carlos Loureiro em 1973 identificados nas edições da Revista de Enfermagem.

3 Dados confirmados no cartão de sócio da Associação Portuguesa de Enfermeiros e cedidos por João Fernandes, atual presidente da APE.

4 Abrantes, J. J. (2006) O Direito do Trabalho do “Estado Novo”. Cultura, Revista de História e Teoria das ideias. vol. 23, p.4.

5 “O sindicalismo durante o Estado Novo era, pois, um fenómeno essencialmente urbano, parecendo ser o grau de concentração geográfica dos sindicatos directamente proporcional ao grau de industrialização e de urbanização dos diferentes distritos. Daí as «assimetrias entre os distritos de Lisboa-Porto e osrestantes distritos, mas também entre boa parte do litoral e de todo o interior do país»”. Marques, Helder Miguel (2007) O movimento sindical durante o Estado Novo: estado actual da investigação. História, Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. III Série, vol. 8, pp. 299-316.

6 Revista de Enfermagem, nº 1, Outubro de 1953, pág. 2.

7 Cf. Branco, Manuel Leitão, “Exercício Ilegal de Enfermagem”. Revista de Enfermagem, nº1, Outubro de 1953, pp. 21.

8 Idem, p. 21.

9 Ibidem.

10 Cf. Branco, Manuel Leitão, “Exercício Ilegal de Enfermagem”. Revista de Enfermagem, nº1, Outubro de 1953, pp. 21.

11 Cf. “Actividades Sindicais – Repressão ao exercício ilegal de enfermagem”. Revista de Enfermagem, nº1, Outubro de 1953, pp. 39.

12 Decreto nº 4563, Diário do Govêrno nº 155, I serie de 12 de Julho de 1918. Em https://files.dre.pt/1s/1918/07/15500/11491168.pdf

13 Revista de Enfermagem, nº 3-4, maio de 1954, p. 25.

14 Revista Municipal, Ano XV, nº 60, 1º trimestre de 1954, p. 47. Em http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/RevMunicipal/N60/N60_master/N60.pdf. Era então presidente da Câmara Municipal de Lisboa, António Salvação Barreto, que ocupou o cargo entre 1944 e 1959 (cf. https://app.parlamento.pt/PublicacoesOnLine/DeputadosAN_1935-1974/html/pdf/b/barreto_alvaro_salvacao.pdf )., tendo-lhe sucedido António Vitorino da França Borges (até 1970). De acordo com o fixado pelo código administrativo de 1936, corroborado pelo código administrativo de 1940 (decreto-lei n.º 31095, de 31 de dezembro), a câmara municipal era composta por vereadores eleitos de quatro em quatro anos pelas juntas de freguesia, sendo que o presidente e o vice-presidente da câmara passaram a ser nomeados pelo governo. Admitimos que o período de participação de Manuel Leitão Branco como vereador decorreu até final de 1954. A Revista Municipal de Lisboa dá notícia da tomada de posse dos novos vereadores para o mandato 1955-1958 em dezembro de 1954 (Ano XV, nº 63, 4º trimestre de 1954, p. 45 (http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/OBRAS/RevMunicipal/N70/N70_master/N70.pdf).

15 Decreto-lei 36219, de 10 de Abril de 1947. https://files.dre.pt/1s/1947/04/08100/02770280.pdf

16 Cf. Coimbra, Augusto Soares (1954). Fé e confiança na Dignidade Profissional. Revista de Enfermagem, nº5, pp. 23.

17 Revista de Enfermagem, nº 5, agosto 1954, p. 4.

18 Em homenagem a Florence Nightingale, “percursora do espírito que deve informar o ensino e a prática de Enfermagem nos tempos de hoje” (Cf. João Porto – «A Enfermeira, militante da saúde e colaboradora do médico». In separata do Boletim da Assistência Social. Ano 12º, N.ºs 115-116 (1954). p.4).

19 Cf. Revista de Enfermagem. N.º 5 (1954). p.7 – excerto do discurso de Leitão Branco ” Se é certo que não somos de mais, como disse SALAZAR, para continuar Portugal, querem os enfermeiros portugueses tomar parte na grandiosa obra de Reconstrução Nacional, para, com o seu trabalho, o seu esforço e dedicação, tornarem ainda mais bela esta nossa querida Pátria.”.

20 Revista de Enfermagem, nº 5, agosto 1954. Este número foi quase totalmente dedicado à “Reportagem da II Reunião Nacional de Enfermagem”, realizada a 20 de junho de 1954 em Coimbra.

21 Alberto da Silva Mourão, distinta figura da Enfermagem portuguesa, exerceu funções de Supervisor e Diretor de Enfermagem nos Hospitais da Universidade de Coimbra e foi vogal da comissão instaladora da administração distrital dos serviços de saúde de Coimbra (cf. Portaria 517/80, de 13 de Agosto).

22 Revista de Enfermagem, nº 5, agosto 1954, p. 13.

23 Idem, p. 16.

24 Idem, p. 17.

25 Revista de Enfermagem, nº 6, dezembro 1954, p. 32. Facto curioso que se comemore a morte (8 de março de 1550), dado que o nascimento ocorreu no mesmo dia (8 de março 1495). S. João de Deus foi “foi beatificado por Urbano VIII em 21 de Setembro de 1630. Canonizado por Alexandre VIII em 16 de Outubro de 1690. Proclamado com São Francisco de Lélis, Patrono dos Hospitais e dos Doentes pelo Papa Leão XIII em 27 de Maio de 1886. Declarado celeste Patrono dos Enfermeiros e das suas Associações pelo Papa Pio XI em 28 de Agosto de 1930. Proclamado celeste Co- patrono da cidade de Granada pelo Papa Pio XII em seis de Março de 1940.” Cardoso de Sampaio, M.A. (2019). A Ordem Hospitaleira de São João de Deus e a Primeira República Portuguesa. Tese doutororamento no ramo de História, na especialidade de História e Cultura das Religiões. Universidade de Lisboa. p. 229.

26 Revista de Enfermagem, nº 5, agosto 1954.

27 Sobre o assunto, ver Borges, Augusto Moutinho (2007) Os reais hospitais militares em Portugal administrados e fundados pelos Irmãos Hospitaleiros de S. João de Deus 1640-1834. Tese de doutoramento, Especialidade da História das Ciências da Saúde. Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. https://run.unl.pt/handle/10362/5555

28 Luís Cebola foi nomeado Diretor Clínico da casa do Telhal em 1911. Republicano e anticlerical ficou entusiasmado com a vida e obra de S. João de Deus pelos princípios que este advogava na assistência aos doentes mentais tendo posto em prática no Telhal muitos desses princípios. Autor do primeiro manual português dedicado à Enfermagem psiquiátrica – Cf. Nunes, L. (2020). “Nursing of the alienated 1932”: the first Portuguese manual on Psychiatric Nursing and its epochal scenario. Conference proceedings International Conference on the History of Nursing. https://comum.rcaap.pt/handle/10400.26/32314; Nunes, L. (2021). El surgimiento de la enfermería psiquiátrica en Portugal: un breve vistazo a hospitales, escuelas y manuales. Temperamentvm, 2021; v17: e17019. Em https://ciberindex.com/index.php/t/article/view/e17019/e17019;

29 Revista de Enfermagem, nº 9, junho 1955, p. 6 e 7. Porto, 10 de junho de 1955.

30 Revista de Enfermagem, nº 13, fevereiro 1956, p. 1.

31 Idem, p.2.

32 Ibidem.

33 Revista de Enfermagem, nº 15, junho 1956, p. 27. “Coube ao Snr. Manuel Leitão Branco, nos desígnios da Providência, a sorte de a enfermagem o ter preferido para seu guia e fiel intérprete, no período de mais intensa renovação social da classe, como tem sido o do após-guerra. Se para ele tal facto nenhuma vantagem lhe ofertou, pelo contrário, muito a enfermagem lhe deve pelo seu esforço, pelo seu trabalho, pela sua inteligência. Melhor que ninguém posso eu confiar, em absoluto, que as vantagens do lugar ocupado na orgânica corporativa em tais casos são puramente negativas, desde o excesso de trabalho em regime de «full-time» às despesas que a posição obriga no seio da sociedade em que vivemos. Desde 1947, em que Manuel Leitão Branco foi cbamado para presidir à Comissão Administrativa do Sindicato Nacional até há poucos meses ainda, que se verificou um perene ressurgimento da classe, como agrupamento social sobretudo, mas indiscutivelmente também como profissão. Tanto mais valor tem este pormenor quanto é certo que à data da sua posse no referido ano de 1947 o Sindicato navegava em águas muito turvas – e eu abstenho-me de lembrar as coisas tristes que levaram à escolha do Leitão Branco para o lugar de dirigente da C. A.. Nessa altura, posso confidenciar até que Leitão Branco nenhuma simpatia nutria por tal organismo, e, se o escolheram foi realmente porque ele era um valor; portanto já tinha dado as suas provas, sociais, humanas, profissionais e políticas. Em boa hora ele veio. O seu dinamismo pô-lo a correr o País num carro que possuía e do qual se desfez para aguentar a sua posição sindical; as despesas pessoais aumentaram e reduziram-se os lucros porque o serviço particular foi preterido por incompatibilidade com o tempo disponive!.”

34 “O seu primeiro impulso foi auscultar as possibilidades de reagrupar à sua volta uma classe que tinha falhado estrondosamente ao primeiro embate. As perspectivas foram tais que qualquer outro menos batalhador ou menos conhecedor do espírito humano teria alijado a carga e teria recolhido calmamente ao seu antigo ambiente, mais produtivo, menos arreliador. Foi numa destas etapas da sua volta a Portugal que em Coimbra vimos e ouvimos pela primeira vez o homenageado de hoje. De momento, se as coisas corriam mal pelos outros lados, em Coimbra a situação piorava; eu era dos poucos que acorrera ao chamamento dos primeiros, mas confesso que também sem a menor parcela de simpatia. Todavia, Leitão Branco contagiou-me com o seu entusiasmo, a mim e a vários.”.

35 “sob a orientação do Leitão Branco o Sindicato se tornou um organismo prestigiado. Antes, era-lhe negada qualquer interferência nos problemas sociais dos seus associados pela escassez das provas dadas. Até então imperava com certeza a boa vontade dos nossos colegas, o que porém não bastava. Com o advento do Branco entrámos na área das provas. Toda a orgânica foi revista, passando a assentar em bases honestas e correctas, como honesta tem sido a vida do nosso primeiro dirigente. Revisto, todo o sistema de admissões, pois se encontraram Carteiras Profissionais adulteradas não se sabe como nem para quê. Hoje, no nosso grupo recebem-se apenas aqueles a quem a lei confere o direi to do exercício da profissão. A burocracia, indispensável em qualquer organismo congénere, foi conduzida com segurança e conhecimento, dando-nos hoje uma escrita totalmente perfeita, segundo os pareceres dos Srs. Inspectores que a têm verificado. Nas relações do organismo com a classe houve uma melhoria tão evidente que se pode expressar nestes números: de mil e poucos associados, vamos hoje perto dos cinco mil. De notar que em Portugal há pouco mais de 6.000 enfermeiros e que a inscrição é facultativa para uma grande parte dos nossos colegas. Conceituado na sua forma de pensar e agir, ele move-se em todos os sentidos, dando ao Sindicato uma cotação inigualável; é ouvido e atendem-se as suas· palavras. No que respeita aos outros organismos corporativos, só quem tem acompanhado de perto o desenrolar dos nossos problemas pode concluir pela sua obra magníca.”

36 Revista de Enfermagem, nº , p. 6

37 Idem, p. 7.

38 “Acto de posse dos novos corpos gerentes”. Revista de Enfermagem, nºs 19-20, abril de 1957, p. 5-7.

39 Corpo redactorial: Crlsanta Monteiro Regala, Eduarda Zilda C. Guerra M. de Freitas, Estela Massano de Amorim, Maria Ofélia Veiga Malta Leite Ribeiro, Irene Lourenço Ribeiro, Maria Madalena Lopes Taveira, Alberto Mourão, Alexandre Ferreira Fontes, F ernando Valente Lopes Ramos, José Pinto Teles e Pulquério Martins de Almeida.

40 Revista de Enfermagem, nºs 19-20, abril de 1957, p. 4.

41 Revista de Enfermagem, vol. 6, nº3, junho de 1967. p. 139-140

42 Os Estatutos foram aprovados a 11 de Janeiro de 1968 e publicados em Diário do Governo (III Série nº102), a 29 de abril de 1968. “os primeiros corpos gerentes, assim constltuídos: Assembleia geral – Presidente, Maria Fernanda da Silva Resende ; secretárias, Mariana Dulce Dinis de Sousa e Luisa Margarida Cohen da Cunha Teles. Direcção – Presidente, Crisanta Monteiro Regala; secretária Maria José Gomes Moniz P ereira; tesoureiro: Manuel Leitão Branco; vogais, Maria Palmira Bebiano Bruto da Costa e Beatriz Plácido de Melo Correia. Conselho fiscal – Maria Emília Franco Henriques, Maria Inês Dias Duarte e José Pinto Teles.” Revista de Enfermagem, vol. 7, nº 6, dezembro de 1968. p. 277

43 Barreto, José (1994). Comunistas, católicos e os sindicatos sob Salazar. Análise Social. Vol. XXIX (125-126): 287-317. (itálico conforme o original).

44 “A 1 de Janeiro de 1934 as autoridades passaram a considerar ilegais os sindicatos ou associações de classe que recusaram vergar-se ao figurino único corporativo, ordenando a sua liquidação. Encontraram-se nessa situação a grande maioria dos sindicatos livres, como o reconheceu o Subsecretariado de Estado das Corporações num relatório divulgado em Abril de 1934, embora de início Teotónio Pereira tivesse qualificado a resistência dos sindicatos à corporativização como uma “atitude de rebeldia” circunscrita a um “pequeno número” de associações de classe. “ Cf. A. Barreto e F. Mónica (eds.) (2000). Os sindicatos nacionais do Estado Novo. In Dicionário de História de Portugal – Suplemento, vol. IX. Porto: Figueirinhas, pp. 436-445.

45 “Tendo Marcelo Caetano assumido a liderança do Governo em fins de Setembro de 1968, os projectos de diplomas revendo a lei sindical e a lei da negociação colectiva ficaram concluídos e foram enviados para apreciação à Câmara Corporativa ainda antes do fim do ano.” Barreto, José (1990). Os primórdios da Intersindical sob Marcelo Caetano. Análise Social, vol. XXV (105-106), (1.°, 2.°), 57-117. cit. p. 57.

46 Revista Enfermagem Portuguesa, Ano I, volume I, jan-fev 1955, rubrica «Notas críticas», p. 36.

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Rosas, Fernando (2013). Salazar e o poder. A arte de saber durar. Lisboa, Tinta-da-China.

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Isaura Assunção da Silva Borges Coelho

Ana Pires e Lucília Nunes1

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Isaura Assunção da Silva [Borges Coelho por casamento], filha de Francisco Dias da Silva e de Maria Assunção da Silva, nasceu a 22 de julho3 de 1926 em Portimão e faleceu a 11 de junho de 2019, na Parede, onde residia.

Qualquer referência a Isaura traz inevitavelmente a luta pelo direito ao casamento das enfermeiras dos Hospitais Civis. Era, aliás, referida pelos agentes da PIDE como “a casamenteira”4, na altura em que “trabalhava no Hospital dos Capuchos, onde conseguimos recolher setecentas assinaturas do pessoal”5. Mas Borges Coelho denunciou também as terríveis condições de trabalho que, ao tempo, se viviam nos hospitais: jornadas de 12 ou 24 horas, turnos noturnos (as chamadas “velas”) 30 dias seguidos (chamado «regime das 30 velas»), apenas com uma folga semanal e obrigatórios de 6 em 6 meses, faltas de material como roupa ou material técnico e doentes deitados, em colchões, no chão. A luta pela dignificação da profissão esteve sempre presente na sua vida tendo sido delegada sindical na Maternidade Alfredo da Costa desde 25 de abril de 1974 até à sua aposentação.

Ingressou no Curso Geral de Enfermagem, em 1949, na Escola de Enfermagem Artur Ravara, com 23 anos. Iniciou a sua vida profissional em 1952 no Hospital de Santo António dos Capuchos em Lisboa.

No ano seguinte, a 3 de novembro de 1953, foi presa “para averiguações, tendo recolhido ao depósito de presos de Caxias”6, tendo sido uma das mulheres que, sem pertencer a uma organização politica, foi condenada pelo Tribunal Plenário de Lisboa, no dia 16 de Julho de 1954, a pena maior. Foi condenada a 2 anos de prisão maior, à perda de direitos políticos por 15 anos e a “medidas de segurança” prorrogáveis o que fez com que a sua prisão se prolongasse por 4 anos, dois dos quais em isolamento, sendo expulsa da função pública. A extrema debilidade em que se encontrava e a forte contestação que a sua detenção originou acabou por levar à sua libertação, em 1957, graças a uma amnistia aquando da visita da rainha Isabel II de Inglaterra, ficando com residência fixa em Portimão em casa dos pais.

Na sua “biografia prisional”7, narrou sinteticamente o processo de ter sido presa, punida sucessivamente e ter tido noção da prisão da sua irmã Hortência que tinha entregado o abaixo-assinado a Salazar. A sua luta pelo direito ao casamento das enfermeiras dos hospitais civis começou quando 12 enfermeiras do hospital Júlio de Matos foram despedidas por serem casadas. Promoveu um abaixo-assinado dirigido ao Presidente do Conselho Oliveira Salazar, ao Cardeal Cerejeira e ao Enfermeiro-mor dos Hospitais Civis, exigindo a revogação do parágrafo 4º, do artigo 3º do decreto-lei 31913 de 12 de março de 1942 que referia “o tirocínio ou prestação de enfermagem hospitalar feminina são reservados a mulheres solteiras ou viúvas sem filhos” (p. 229 do referido decreto).

A duração da pena e a brutalidade com que foi tratada, quer durante o julgamento quer durante a prisão, poderão ser enquadradas pelas ideias do Estado Novo sobre a função social da mulher. A Constituição de 1933, ao abordar a situação da mulher, sublinhava que esta devia ser afastada do trabalho fora do lar uma vez que esta situação levava à desagregação da família. (Pimentel, p. 55). O verdadeiro trabalho da mulher era em casa, mantendo a união da família e promovendo a educação dos filhos. Estas ideias eram apoiadas e valorizadas pelas organizações femininas católicas da época que lutavam pelo reconhecimento social da maternidade e do trabalho doméstico, contra o trabalho feminino fabril (id, p. 56).

Nesta linha de pensamento o exercício de várias profissões foi impedido, nomeadamente o acesso à carreira diplomática e ao Ministério das Obras Públicas e Comunicações, ou dificultado como no caso das professoras primárias (tinham de pedir autorização para se casarem e era favorecido o casamento dentro da mesma classe). As telefonistas da Anglo-Portuguese Telephone Company, o pessoal feminino do Ministério dos Negócios Estrangeiros, as hospedeiras de ar da TAP e as enfermeiras dos Hospitais Civis estavam impedidas de casar (Pimentel, p.60).

Assim o movimento gerado por Isaura Borges Coelho foi visto pelo regime como uma afronta às suas leis e como uma questão política e social profundamente perigosa.

Isaura Borges Coelho teve Maria Lamas e Maria Isabel Aboim Inglez como testemunhas de defesa e a enfermeira Hortênsia da Silva Campos Lima, sua irmã, foi igualmente presa em Caxias por estar envolvida na luta contra o celibato destas profissionais de saúde dos Hospitais Civis (Tavares, p. 96).

“A Maria Lamas foi minha testemunha. Fez uma defesa brilhante, pois ela esteve sempre na vanguarda da defesa de todos os problemas das mulheres portuguesas. A dra Aboim Inglês, ao depor em minha defesa, foi presa em pelo tribunal.”8.

Maria da Conceição Vassalo e Silva da Cunha Lamas, conhecida como Maria Lamas, era jornalista e escritora, diretora da revista «Modas e Bordados» desde 1938 e de que se demitiu para presidir ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas em 1945, esteve várias vezes presa em Caxias entre 1949 e 1953; era conhecida como ativista pela paz e pelos direitos das mulheres, defensora da presença das mulheres no espaço público.

Maria Isabel Saavedra Hahnemann de Aboim Inglês era licenciada em Histórico-Filosóficas, tinha sido professora e diretora do colégio Fernão de Magalhães, tendo-se tornado em 1945, membro da comissão central do Movimento de Unidade Democrática. Foi presa pela PIDE em 1946 na sequência de um abaixo-assinado contra a admissão de Portugal na ONU – depois do encerramento do seu colégio e “de ser impedida pelo regime de lecionar no ensino particular e oficial, tentou ir para o Brasil (…) mas também disso foi impedida restando-lhe montar um atelier de costura com o qual sobreviveu com muitas dificuldades.”9 (Pimentel, 1997, p.409). No julgamento de Borges Coelho, Aboim Inglês protestou por se encontrarem agentes da PIDE na sala de audiências e das testemunhas, pelo que o juiz Abreu de Mesquita a condenou a três dias de prisão, por falta de respeito ao tribunal.

Na sua narrativa, Isaura Borges Coelho continuou: “O juiz era o Abreu Mesquita e o procurador-geral era o dr. Furtado dos Santos que, por acaso, apesar do 25 de Abril, ainda está no Supremo Tribunal. Este disse que pedia pena maior para mim, não por ter provas, mas por convicção. Isto consta tudo do meu processo”. Assim, foi julgada em plenário a 15 de julho de 1954 e condenada, considerando a própria que “ficou tudo espantado, porque até aí muito poucas mulheres tinham sido condenadas por política, ainda por cima inocentes, como era o meu caso.”10

De acordo com um inquérito “realizado pela Inspeção da Assistência Social, o pessoal feminino de enfermagem dos hospitais civis, impedido de contrair matrimónio desde 1942, concluiu que «a proibição matrimonial era desrespeitada» e que, mesmo assim, havia nos hospitais um défice de enfermeiras que «por razões psicológicas» não optavam pela carreira hospitalar.” (Pimentel & Pereira de Melo, 2015).

No folheto “Repressão, Libertemos Isaura Silva”, datado de 16 de maio de 1954, pode ler-se: “A jovem enfermeira dos hospitais civis de Lisboa, Isaura Silva – que há seis meses se encontra num isolamento contínuo onde a sua saúde está em perigo com a má alimentação, a falta de assistência médica, recusando-lhe por vezes a visita de um médico particular -. Acaba de ser alvo de mais um atentado contra as liberdades democrática. A PIDE forjou um processo contra esta dedicada enfermeira, cuja prisão levantou grandes manifestações de solidariedade (…) Lutar pela libertação de Isaura Silva é lutar pela nossa liberdade” (Arquivo de História Social, Espólio Pinto Quantin, Item 171)11.

Sofrendo de depressão e magreza extrema, Isaura foi internada no Hospital de Santa Maria diversas vezes entre setembro de 1955 e janeiro de 1956. Não obstante Ducla Soares recomendar à PIDE a sua libertação, voltou para Caxias, onde veio a constatar que o seu noivo, com quem tivera casamento marcado a 28 de novembro, mês em que fora presa, estava agora detido na cela ao lado.

Na prisão, no período entre 1954 e 1956, foi punida com dias de prisão em cela disciplinar a pão e água (por se ter dirigido por escrito ao Diretor da prisão, em manifestação coletiva), um mês de suspensão de visitas por indisciplina e insubordinação, dois meses em cela disciplinar (por “ter arrombado a porta da sala onde estavam alojadas, insubordinando, causando alarido e escândalo”), um mês sem visitas, isto em acumulação à pena, que era interrompida por cada punição.

“Restituída à liberdade condicional a 20 de fevereiro de 1957”12 e à liberdade definitiva dez anos mais tarde.

Casou a 4 de janeiro de 1959, com o historiador António Borges Coelho, no Forte de Peniche, onde este estava preso e de onde saiu em libertação condicional a 22 de maio de 1962.

Depois de sair da prisão, Isaura Borges Coelho esteve um ano com residência fixa em Portimão, com obrigação de apresentação mensal à PIDE. Após este período, e em Lisboa, começou a trabalhar como voluntária no IPO. Seguiu-se um curto período de 6 meses na Liga dos Amigos dos Hospitais de onde foi expulsa quando se soube do seu passado político.

Conseguiu alguma estabilidade profissional, com a ajuda de Pulido Valente e a contratação por Pedro Monjardino13, trabalhando na clínica particular Pro-Matre14, até 1965. Fez o Curso de Enfermeiras Parteiras Puericultoras do Instituto Maternal15 e conseguiu ser admitida como enfermeira eventual na Maternidade Alfredo da Costa em 1965.

Foi reintegrada na função pública em 1975 e manteve-se na MAC, passando de enfermeira de 2ª classe a 1ª e progredindo para enfermeira-chefe, tendo tomado posse em 1979. Em 1980, fez o Curso de Especialização em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica. Exerceu, até à reforma, o cargo de enfermeira-chefe do Serviço de Prematuros16 da Maternidade Alfredo da Costa, onde foi igualmente delegada sindical do Sindicato dos Enfermeiros da Zona Sul, depois (em 1988) Sindicato dos Enfermeiros Portugueses.

Os relatos de amigos retratam-na como uma pessoa corajosa, com uma enorme alegria de viver, generosa e que nunca perdeu a vontade de lutar.

Foi condecorada pelo presidente Jorge Sampaio, com a Ordem da Liberdade, grau de comendador, por alvará de 8 de março de 2002. A Ordem da Liberdade “destina-se a distinguir serviços relevantes prestados em defesa dos valores da Civilização, em prol da dignificação da Pessoa Humana e à causa da Liberdade”.

Recebeu a medalha de honra do Município de Portimão e o título de cidadã benemérita em 2018. A sua história e a da irmã foram contadas, com memórias, imagens e documentos da época, num filme de Susana de Sousa Dias, “Enfermeiras do Estado Novo”(2000).

1 Estudo biográfico realizado entre novembro de 2021 e janeiro de 2022. Publicação no site da Sociedade Portuguesa de História de Enfermagem, novembro de 2022.

2 Fontes das fotos: (1) foto da esquerda, em artigo “Isaura Borges Coelho”, assinado por Helena Pato, Jornal Tornado, 25 de junho de 2019, em https://www.jornaltornado.pt/isaura-borges-coelho/ (2) artigo “Morreu Isaura Borges Coelho, antifascista que lutou pelo direito das enfermeiras ao casamento”, assinado por Patrícia Carvalho, em Jornal Público, 12 de Junho de 2019, em https://www.publico.pt/2019/06/12/sociedade/noticia/morreu-isaura-borges-coelho-antifascista-lutou-direito-enfermeiras-poderem-casar-1876235

3 Conforme registo do processo (nº 21365) Cf. http://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4301903

4 “Quando um deles me viu e me reconheceu, das minhas andanças da recolha das assinaturas contra a proibição do casamento das enfermeiras, exclamou: Ora cá está a casamenteira!” Nobre de Melo, R.N. (1975). “Isaura Assunção da Silva” in Mulheres portuguesas na resistência. Seara Nova. p. 126.

5 Idem, p. 126.

6 Conforme processo nº 21365. http://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=4301903

7 Idem, p. 127-133.

8 Idem, p. 129.

9 Pimentel, I. (1997). Contributos para a história das mulheres no Estado Novo : as organizações femininas do Estado Novo : a “Obra das Mães pela Educação Nacional” e a “Mocidade Portuguesa Feminina” : 1936-1966. Mestrado em História Contemporânea. P. 409

10 Idem, p. 129-130.

11 MUD Juvenil – Movimento de Unidade Democrática Juvenil. http://www.ahsocial.ics.ulisboa.pt/atom/repressao-libertemos-isaura-silva-comissao-concelhia-de-lisboa-do-movimento-de-unidade-democratica-juvenil

12 Nobre de Melo, R.N. (1975). “Isaura Conceição da Silva” in Mulheres portuguesas na resistência. Seara Nova. p.132.

13 Isaura Borges Coelho. Mulheres Enfermeiras que fazem história (entrevista). (1994). Revista Enfermagem em Foco (IV), nº 14, p. 31

14 A Clínica Pro-Matre, localizada na Avenida da República, 18, à esquina com a Avenida João Crisóstomo, num edifício que foi demolido em 1974, era propriedade do médico obstetra Pedro Monjardino, filho de Augusto Monjardino, primeiro diretor da Maternidade Alfredo da Costa (inaugurada em 1932). Pedro Monjardino introduziu, nos anos 60, o método do «parto sem dor». Cf. Pessoa, A. (2005). A Educação das Mães e das Crianças no Estado Novo: a proposta de Maria Lúcia Vassalo Namorado. Tese de doutoramento em Ciências da Educação. UL. Vol. 2, p. 992-994. Disponível em https://repositorio.ul.pt/handle/10451/2016

15 O Instituto Maternal, criado pelo Decreto nº 32 651 de 2 de fevereiro de 1943, tinha sede na Maternidade Alfredo da Costa e delegações previstas no Porto e em Coimbra. Cf. https://files.dre.pt/1s/1943/02/02600/00770080.pdf. Nos primeiros anos de funcionamento pretendeu formar enfermeiras puericultoras mas a partir de 1952 a oferta do curso de enfermeira puericultora passou a ser realizado para quem tinha o curso de enfermagem geral. Cf. Carneiro, M. (2004). Ajudar a nascer: parteiras, saberes obstétricos e modelos de formação: séculos XV-XX. Teses de doutoramento. https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/108390

16 O Serviço de Prematuros foi aberto em 1957, pelo médico Rosa Paixão e a enfermeira Teresa Leça da Veiga. Cf. Tanganho, C. & Costa, M.T. (2004), Assistência Neonatal na Maternidade Dr. Alfredo da Costa: a História de um Percurso. Arq Mat Alfredo da Costa, 15 (1): 50-56. Disponível em http://hdl.handle.net/10400.17/606

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