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Simpósio Internacional de História da Enfermagem “Enfermagem: de Nightingale à atualidade”

20 novembro, 2020

Escola Superior de Enfermagem de Coimbra
promovida pela ESEC, ANHE e SPHE

Conferência proferida por Carlos Louzada Subtil

CONTRIBUTOS DA HISTÓRIA DA ENFERMAGEM PARA A ENFERMAGEM ATUAL

A História é um diálogo interminável entre o presente e o passado

E. H. Carr, What is History?

A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado. Mas talvez não seja mais útil esforçarmo-nos por compreender o passado, se nada sabemos do presente

Marc Bloch – Introdução à História

Estamos a comemorar o Ano Internacional do Enfermeiro e da Parteira e o bicentenário do nascimento de Florence Nightingale que motivou a realização do seminário de Janeiro e deste simpósio tendo como pano de fundo a vida e obra de Nightingale, o desenvolvimento e a atualidade da Enfermagem.
Por isso, a primeira parte daquilo que gostaria de partilhar convosco é destinada a realçar a importância da História, na linha de pensamento de Edward Carr – A História é um diálogo interminável entre o presente e o passado – e de Marc Bloch que nos confronta com duas questões incontornáveis: “A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado mas de nada vale querer compreender o passado se não conhecemos o presente.
Na segunda parte, pretendo fazer um exercício simples de interpretação do momento atual da enfermagem, com base no modelo de análise SWAT muito utilizado em gestão empresarial.

1 QUATRO NOTAS SOBRE HISTÓRIA DA ENFERMAGEM

1.1 De que forma a história e as comemorações servem a enfermagem?
Torno presente o tema que introduzi no seminário de Janeiro a propósito das comemorações.
As comemorações servem exatamente para legitimar o presente e construir o futuro, têm a virtude de lembrar, de trazer à memória os atores, os espaços e as circunstancias em que se produziram os acontecimentos que estão na génese do momento presente e permitem abrir novos horizontes e perspetivas.
As liturgias da comemoração também têm por função inserir as pessoas numa cadeia de filiação identitária e de lhes dar sentido de pertença através de elementos identitários socioprofissionais que lhe conferem uma identidade PARA SI, isto é, uma identidade de grupo, uma identidade de si para si, uma identidade endógena. Numa palavra, somos aquilo que achamos de nós próprios e isso confere-nos alguma proteção exógena.
Mas, como se sabe, este processo identitário joga-se num espaço de interação social e, por isso, a construção da identidade é um processo complexo que também envolve a representação que os outros fazem de nós, isto é, uma identidade DE SI.
Este jogo entre a identidade DE SI e a identidade PARA SI pode criar tensão, conflitos e frustração.
É por isso que a História é um pilar fundamental da Enfermagem como, aliás, das outras áreas do a conhecimento em saúde, o que equivale dizer que todo o conhecimento possui uma dimensão histórica e que tem de ser escrita com rigor, verdade e isenta de erros.
A compreensão dos cuidados de enfermagem no presente e a sua projeção no futuro, implicam a compreensão da multidimensionalidade do ser humano, a complexidade dos processos de saúde e de doença e as dinâmicas profissionais, na sua dimensão sincrónica mas também num eixo diacrónico ou temporal.
Neste sentido, é necessário convocar a História, compreender para que serve a História, tomar em conta os fatores sociais, políticos, económicos e culturais que influenciaram os acontecimentos, compreender que a História e as memórias não são assépticas nem neutras e que se inscrevem em ideologias.
A História da Saúde incide invariavelmente em cinco domínios: i) institucional (hospitais, centros de saúde, misericórdias); ii) discursivo (narrativas, normas e regulamentos); iii) doutrinário (ideias e imagens sociais); iv) político (poderes e relação de poder) e v) governativo (estruturas administrativas e seus recursos).
São manifestas as dificuldades em fazer história porque a história não é uma ciência dedutiva, não se deduz o passado do presente, não se deduz da história dos outros, a nossa história. Também não é uma ciência em que a explicação se insinue na relação de causa e efeito. O campo empírico da história é já, em si mesmo, um campo epistemológico. Paradoxalmente, apesar das dificuldades em fazer história, a produção tem sido abundante porque o discurso historiográfico é facilmente confiscado por narrativas que amiúde são resistentes ao verdadeiro e ao falso.

1.2 A historiografia da enfermagem
Há ainda uma noção restritiva e limitada que paira sobre a História da Enfermagem sendo preciso redimensionar o seu uso tanto nos processos de formação e orientação profissional como na prática de Enfermagem, na medida em que a sua efetividade desfaz mitos, intolerâncias e preconceitos os quais, muitas vezes, obstruem a eficácia dos cuidados e desarticulam as equipas de saúde ao fabricarem conflitos em ambientes de trabalho cada vez mais complexos.
A História da Enfermagem possibilita a interpretação e compreensão do passado da enfermagem no longo tempo da sua história, visto pela lente da antropologia dos cuidados e pela lente dos estudos históricos fundados na história social, isto é, segundo duas orientações distintas, uma abordagem antropológica dos cuidados relacionados com a manutenção da vida, na linha da análise empreendida por Marie Françoise Collière e uma abordagem com uma orientação mais sociológica, relacionada com os processos de construção da enfermagem como profissão.
Duas notas sobre estas duas dimensões.
A primeira para referir um incidente entre a antropóloga Margaret Mead e um seu aluno que a interpelou sobre qual teria sido o primeiro sinal de civilização, na expectativa que a mestre lhe anunciasse um qualquer artefacto. Margaret Mead respondeu-lhe que o primeiro sinal de civilização tinha sido a evidência de alguém com uma fratura do fémur cicatrizada explicando-lhe que nenhum animal sobreviria o tempo suficiente para que o osso cicatrizasse se não tivesse havido “alguém” que empregasse tempo para “cuidar” de quem não podia cuidar de si. – Ajudar alguém durante a dificuldade é onde a civilização começa – disse-lhe Margaret Mead. Nada mais esclarecedor sobre as origens dos cuidados de enfermagem.
Quanto à dimensão socioprofissional, o último quartel tem sido fértil na produção de conhecimento em história da enfermagem portuguesa, na linha de continuidade dos estudos sobre o género e as mulheres, sobre a vida privada e familiar, sobre os grupos profissionais e as pessoas a quem a historiografia tradicional não tinha dado voz.
Este novo interesse, a par do interesse na epistemologia e na filosofia dos cuidados, não surgiu do acaso nem foi uma moda mimética. Segundo Noémia Lopes, surgiu como um imperativo do tempo presente, para dar sentido e fortalecer o processo de recomposição dos saberes, das ideologias e das identidades da enfermagem portuguesa face às mudanças que estavam a ocorrer no campo da saúde, nomeadamente na crescente especialização da produção de cuidados e a multiplicação de modelos terapêuticos em que a enfase na prevenção se tornou dominante.
Esta mudança de paradigma adivinhava-se no poema “Perguntas de um operário letrado” do dramaturgo, poeta e encenador alemão Bertolt Brecht (1898-1956).
O incremento da história da enfermagem está evidenciado no recente trabalho de Lucília Nunes “Bibliografia dos estudos de História da Enfermagem em Portugal: anotações e análises” em que faz o levantamento bibliográfico dos estudos de História da Enfermagem em Portugal (1993-2018), no âmbito académico. Dos 349 documentos compulsados, constam 16 teses de doutoramento, 10 dissertações de mestrado, 36 livros, 7 capítulos em obras coletivas, 115 artigos em revistas e 146 artigos em livros de atas.
Em suma, os cuidados com a vida são inerentes ao ser humano e, por isso, sempre estiveram presentes ao longo da evolução do homem. Também sempre houve pessoas que praticaram cuidados numa dimensão profissional, com múltiplas manifestações condicionadas pelo progresso do conhecimento e pelas mudanças sociais e culturais. O resultado de séculos de evolução na atividade cuidadora é o que hoje se reconhecesse como Enfermagem (…).
Conforme a Declaração de Oseira sobre a importância da História da Enfermagem (2017), o conhecimento da Enfermagem, construído ao longo de séculos de evolução da prática profissional de cuidados, é o principal legado que a Enfermagem, enquanto ciência, dá à Humanidade; por sua vez, a história da enfermagem contribui de forma efetiva para consolidar a identidade profissional, ao clarificar os princípios e valores universais com que as enfermeiras e os enfermeiros têm exercido o seu compromisso com a sociedade, ao longo dos tempos.

1.3 O lugar de Florence Nightingale na história
Em todas as intervenções que tenho feito sobre o bicentenário do nascimento de Florence Nightingale destaquei, entre muitas outras, uma sua qualidade e característica que volto a referir para introduzir o meu pensamento sobre a atualidade da enfermagem. Refiro-me à sagacidade ou perspicácia política que demonstrou, tendo a seu favor, o benefício de pertencer a uma classe social privilegiada, mas contra a desvantagem da sua condição de mulher. Foi neste jogo que Florence Nightingale levou por diante o seu modelo e estratégia de desenvolvimento da profissão. É aquilo a que hoje, no âmbito do quadro de competências pessoais e profissionais, designamos por COMPETÊNCIA POLÍTICA.

1.4 O legado da história mais recente da Enfermagem
Ao referir-me à história mais recente da enfermagem refiro-me à segunda metade do século passado, sobretudo à década de 70 e período subsequente.
Destaco o I Congresso Nacional de Enfermagem, realizado em 1973, sob o patrocínio da ACEPS (Associação Católica dos Profissionais de Enfermagem e Saúde), a Federação Nacional dos Sindicatos Nacionais dos Profissionais de Enfermagem e da APE (Associação Portuguesa de Enfermeiros) cujas conclusões, sintetizadas em 34 pontos, passaram a constituir a agenda para o desenvolvimento da profissão nas próximas décadas.
Apesar das diferenças ideológicas entre as várias organizações e os seus vários líderes (Emília Costa Macedo, Mário Sarmento Rebelo, Teresa Pereira Forjaz, Mariana Dinis de Souza, Maria Fernanda Resende e tantos outros, com uma forte influência de enfermeiros que ocupavam cargos superiores e intermédios da administração pública e dos serviços de saúde e de enfermeiros responsáveis pela formação), o seu mérito consistiu em serem capazes de definir uma agenda comum e mobilizadora, a médio e a longo prazo, aproveitando o momento político do advento da democracia expresso na “reforma Veiga Simão”, que incluía a integração do ensino da enfermagem no Ministério da Educação, ao nível do ensino superior e uma formação integrada com outros profissionais de saúde, a revisão do plano de estudos existente, o desenvolvimento da investigação, ,a articulação dos espaços formativos com a prática clínica, a criação de cursos de especialização, a criação da Ordem, dotações de pessoal para assegurar a qualidade dos cuidados e a melhoria das condições de trabalho, a reorganizar da carreira e maior protagonismo na gestão dos serviços.
Esta agenda viria a ser aprofundada no II Congresso, realizado 8 anos depois, em Coimbra com a presença de cerca de 3500 participantes, num evidente sinal de vitalidade da profissão.
Em suma, os enfermeiros tinham uma agenda com objetivos estratégicos claramente definidos, estavam fortemente mobilizados e tinham uma liderança determinada, isto é, eram líderes com mais política e menos ideologia partidária, menos imediatistas e populistas, com mais sentido estratégico, numa palavra, eram politicamente competentes.

2 O TEMPO PRESENTE

2.1 Tempos de globalização

Estamos na era da globalização cujo impacto também se reflete na profissão de enfermagem.
A definição de objetivos, de guidelines e de padrões de qualidade para a prática profissional, a nível transnacional e transcontinental, são, entre outros sinais, a expressão dum tempo de igualização e de normalização que deve ser relativizado sobretudo por duas razões: para reafirmar as especificidades e a singularidade dos processos e para clarificar o que nos distingue dos outros apesar das semelhanças. Para este propósito, mais uma vez, a história dá um contributo imprescindível.

2.2 2020 – Ano Internacional do Enfermeiro e da Parteira. 40 anos de SNS

O Diretor-Geral da OMS declarou que os enfermeiros e as parteiras são a ESPINHA DORSAL de TODOS os sistemas de saúde, convidando todos os países a investir em enfermeiros e parteiras como parte do seu compromisso com a SPT. Por certo não o faz por simpatia, fê-lo com o sentido de uma estratégia global para a promoção da saúde.

2.3 AMEAÇAS E OPORTUNIDADES, FRAQUEZAS E FORÇAS

2.3.1 AMBIENTE EXTERNO

Ameaças que obstaculizam o desenvolvimento profissional e maior protagonismo dos enfermeiros no SNS

  • Persiste por parte do estado uma atitude hipócrita ao negar condições de traba-lho dignas e uma renumeração justa por trás da qual se pode esconder um antigo preconceito de género que vê no trabalho feminino um trabalho menos qualifica-do e no prolongamento das funções domésticas da mulher.
  • O modelo de gestão do SNS tem sido posto em causa pelas fragilidades que vem evidenciado e que se agravou na atual situação extraordinária de crise pandémi-ca. Não sendo o momento certo para abordar a sustentabilidade do SNS, não posso evitar a referência a um dos fatores da complexa rede de fatores que con-dicionam o SNS e que é o modelo de gestão que tem sido adotado desde a cria-ção do SNS. O modelo de gestão e os papeis que são atribuídos aos vários agentes e grupos profissionais que fazem parte das estruturas centrais, regionais e locais dos serviços de saúde a nível hospitalar e dos cuidados de saúde primários.
    Refiro-me, por exemplo, ao rumo que tomaram os centros de saúde de terceira geração e aos modelos de gestão dos ACES, das ULS, das USF.
    A este propósito, convém trazer à liça a posição tomada pela OM sobre a proposta de lei 34/XIII sobre os “atos em saúde” onde se afirma que “a medicina alimenta e gere todas as outras profissões” entre muitas outras afirmações que revelam grosseiros equívocos conceptuais e a apologia de uma hierarquização fundada nas profissões e não na competências.

Oportunidades

  • Identidade de si positiva, isto é, perceção favorável da população, dos media (jor-nais notícias, entrevistas, documentários), dos órgãos de poder (nacionais e es-trangeiros) e de instâncias de saúde prestigiadas (OMS- Declaração do Ano Inter-nacional do Enfermeiro e da Parteira).
  • Não tenho dúvidas que as pessoas e as famílias que precisam ou precisaram de cuidados de enfermagem nas suas situações de saúde e de doença (aguda, grave, crónica ou terminal) têm uma perceção positiva do trabalho e das competências cuidativas do enfermeiro.
    Quanto aos órgãos de soberania, parece que, de repente e a propósito da pandemia COVID 19 descobriram os enfermeiros e chegam à conclusão que

    “Têm sido a melhor garantia da continuidade dos cuidados de saúde primários, dos cuidados hospitalares, nos domicílios aos doentes da rede nacional de cuidados continuados integrados, das linhas de saúde do SNS24 e também da visitação a lares e estruturas que foram construídas por necessidade destes tempos muitos exigentes”
    Mensagem da Ministra da Saúde nas comemorações do Dia Internacional do Enfermeiro

    embora o Presidente da República tenha feito uma outra pontuação em que deixa implícito um lamento:

    “o país não precisou da pandemia para dever aos enfermeiros” e que a dívida de gratidão se expressa “mesmo quando partem para fora porque não encontram em Portugal as condições de trabalho que consideram ideais, mesmo quando há setores da opinião pública que não compreendem a saga dos enfermeiros”.

    Isto é, através de dois órgãos de soberania do Estado Português, reconhece-se que os enfermeiros e as parteiras acabam por ser a ESPINHA DORSAL do SNS.
    Fico sempre na dúvida se aqueles que hoje tanto enaltecem os enfermeiros se sabem verdadeiramente o que é um enfermeiro, o que faz, onde faz, porque faz e como faz,
    que saibam que a OMS, para além de eleger 2020 o Ano Internacional do enfermeiro e da parteira, culminou este ano a campanha NURSING NOW que teve e tem por objetivo chamar a atenção de todo o mundo e dos governantes para a necessidade de investir na enfermagem porque isso tem uma tripla consequência:

    • a melhoria da saúde das pessoas,
    • a promoção da igualdade de género
    • a sustentabilidade do desenvolvimento económico das nações.
2.3.2 AMBIENTE INTERNO

Mas a minha atenção está focada nos fatores internos, no ambiente interno e nos aspetos que constituem as nossas atuais fraquezas porque das forças da enfermagem falam “os princípios e valores universais com que as enfermeiras e os enfermeiros têm exercido o seu compromisso com a sociedade, ao longo dos tempos (…). As enfermeiras e os enfermeiros têm demonstrado, ao longo de sua longa história, que colocaram o seu compromisso com as necessidades das pessoas acima dos seus interesses profissionais e que o fizeram sob a influência de uma liderança forte e coesa.

  • Vivemos uma crise de liderança com sinais de falta de diálogo entre as organiza-ções profissionais: a que cuida da regulação do exercício profissional, as que pug-nam pelas condições de trabalho, as que asseguram a formação académica e as que representam os profissionais nas várias áreas de especialidade.

Os enfermeiros estão a deixar-se arrastar na espuma dos dias, a deixar-se levar por agendas imediatas e mediáticas, em detrimento de uma estratégia a médio e longo prazo, colocando a profissão no limite perigoso dos jogos político-partidários e vulnerável a narrativas populistas, com uma reduzida ou ineficaz capacidade para influenciar a tomada de decisão política e administrativa em saúde, ao nível governamental e legislativo.

Deixo à vossa consideração esta nota sobre a crise de liderança que considero ser o nó górdio do atual impasse da enfermagem portuguesa e que julgo dever ser discutida e aprofundada para se elaborar um “caderno de encargos”, uma agenda que nos permita sair da atual encruzilhada, num compromisso com o futuro, como sempre fizeram as gerações de enfermeiros que nos antecederam.

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Jornadas Científicas de Enfermagem 2020 – Cuidar+ Envelhe(Ser) com saúde

15 maio, 2020

Escola Superior de Saúde do Vale do Sousa | Instituto Politécnico de Saúde do Norte | Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário (CESPU)

Conferência proferida por Carlos Louzada Subtil

O legado de Florence Nightingale e a recomposição de saberes e práticas da enfermagem

Este ano, comemora-se o ANO INTERNACIONAL DO ENFERMEIRO E DA PARTEIRA, declarado pela OMS:

Enfermeiras e parteiras desempenham um papel vital na prestação de serviços de saúde. (…) dedicam suas vidas a cuidar de mães e filhos, vacinam e fazem educação para a saúde, cuidam de idosos e, em geral, atendem às necessidades diárias essenciais de saúde; costumam ser o primeiro e único ponto de atendimento nas suas comunidades.

No ano passado, desenvolveu-se um protesto muito significativo por parte dos enfermeiros.
Nas comemorações do Dia Internacional do Enfermeiro, a Ministra da Saúde reconheceu que os enfermeiros “têm sido a melhor garantia da continuidade dos cuidados de saúde primários, dos cuidados hospitalares, nos domicílios aos doentes da rede nacional de cuidados continuados integrados, das linhas de saúde do SNS24 e também da visitação a lares e estruturas que foram construídas por necessidade destes tempos muitos exigentes”.
No mesmo dia, o Presidente da República Portuguesa afirmou que o país “não precisou da pandemia para dever aos enfermeiros” e que a dívida de gratidão se expressa “mesmo quando partem para fora porque não encontram em Portugal as condições de trabalho que consideram ideais, mesmo quando há setores da opinião pública que não compreendem a saga dos enfermeiros”.
Isto é, através de dois órgãos de soberania do estado Português, reconhece-se que os enfermeiros e as parteiras são a ESPINHA DORSAL do SNS.
E a Ministra da Saúde, reconhecendo que “as aspirações da profissão de enfermagem são muitas e que têm o acolhimento da maioria da população”, também reconhece “que será necessário um grande esforço para conseguir construir soluções que permitam corresponder nos tempos que aí vêm”.
Este preâmbulo serve para sustentar a principal mensagem que hoje quero passar e que se relaciona com a recomposição de saberes e das práticas dos enfermeiros e com uma competência que, estando mais ou menos explicita no atual perfil de competências do enfermeiro, precisa de ser desenvolvida.
Comecemos pelo legado de Florence Nightingale, para destacar o que do meu ponto de vista é mais relevante na sua vida e obra e que pode constituir um enorme contributo para os desafios atuais da enfermagem em termos do seu empoderamento enquanto grupo profissional.
Passemos em revista o tempo e a circunstância de vida desta enfermeira.
Nascida numa família tradicional e aristocrática inglesa, FN era mulher. E as mulheres, no quadro mental da época, estavam aprisionadas a questões de género que não podem ser mitigadas para se compreender, eventualmente, as opções que fez.
Nascida em 1820, viveu grande parte da sua vida na era vitoriana (1838-1901), uma era de prosperidade e paz, em plena “Revolução Industrial” baseada numa brutal exploração do trabalho, uma época de incremento do conhecimento nomeadamente na área da economia (Karl Marx, o Capital), da psicologia (Sigmund Freud) e da biologia (Charles Darwin, A origem das espécies).
Em 1848, tinha FN 28 anos, Edwin Chadwick promoveu a reforma do Sistema de Saúde Inglês e, em 1851, já com 31 anos, realizou-se a I Grande Exposição Mundial em Inglaterra, que passou a ser o “centro do mundo”.
Foi uma época de importantes descobertas para o avanço da medicina e o desenvolvimento do higienismo e da saúde pública. Pasteur, Lister e Kock fizeram importantes descobertas no domínio da Bacteriologia e da Microbiologia; de igual modo, na cirurgia, nas técnicas operatórias e em anestesiologia.
Mas o ambiente em que nasceu, cresceu e viveu FN foi marcado por rígidos costumes, moralismo social e sexual e fundamentalismo religioso.
Note-se que eestava em curso um forte movimento a favor do abolicionismo da escravatura, o Projeto de Reforma de 1832 tinha sido o ponto de partida para a agitação sufragista das mulheres inglesas e o impulso para os movimentos feministas a favor da igualdade de género. Note-se que a instrução das mulheres era objeto de disputa de poder entre a Igreja e o Estado, os níveis de escolaridade eram muito baixos e a mulher, pelo casamento, perdia a sua individualidade.
Só em 1870 é que foi reconhecida personalidade jurídica à mulher casada. Até então, o marido era responsável pela esposa e era ele que orientava todo o seu comportamento. Ao homem era tolerado o adultério, a bigamia, incerto, rapto e violação de mulheres, era frequente o trafico e lenocínio das mulheres, o aborto e o infanticídio.
Até 1870, o poder paternal absoluto colocava a mulher numa situação dramática, despojada de qualquer direito sobre os filhos e submetida à chantagem do marido.
Num ambiente em que a religião organizava a vida das pessoas, é compreensível que FN tenha tido, aos 17 anos, um chamamento de Deus para fazer o bem mas sobre o que não tenho dúvidas é que FN escolheu um de dois caminhos possíveis às raparigas do seu tempo e da sua condição: ou se assujeitava ao casamento e o seu futuro seria muito previsível – ora FN era uma rapariga instruída e atenta, entre outras qualidades que se viriam a manifestar mais tarde mas que já possuiria – ou fazia ruturas desafiando os pilares da moral dominante, os bons costumes e a tradição, a favor duma causa que, à época, tinha um valor simbólico muito forte, dedicar-se à proteção dos mais pobres e desfavorecidos.
Esta opção não foi original. Já antes, outras mulheres suas coevas, terão assumido esse rutura e opção bem como, mais tarde, terá sido seguida pela Europa. No nosso caso, na plêiade de mulheres também de “famílias antigas e nobres”, que abraçaram a enfermagem e criaram a Cruzada das Mulheres Portuguesas para a assistência aos soldados na 1ª. Guerra Mundial, de orientação republicana onde se alistaram e tiveram relevante papel três filhas de Bernardino Machado, então Presidente da Republica ou as Damas Enfermeiras da Cruz Vermelha Portuguesa das quais refiro, entre muitas outras, Maria Antónia Pereira Pinto, intrépida e bem instruída mulher que sabia negociar com os homens de poder das forças aliadas, sem depender da aprovação lenta e, por vezes mesquinha, dos políticos nacionais que, republicanos, não parecia fazerem a vida fácil a estas damas enfermeiras oriundas da monarquia e da Igreja. Poderia ainda, falar de mais dois vultos grandes da enfermagem portuguesa: Ana Guedes da Costa ou Palmira Tito de Morais.
Com certeza que FN foi uma figura grande e por isso, estamos a comemorá-la. Mas, tal como ela, muitas outras enfermeiras, em Portugal, em Espanha, no Brasil, nos EU e na Europa tiveram papel de relevo no desenvolvimento da profissão e a própria FN teria ficado muito orgulhosa de saber que a sua obra foi continuada, se lhe fosse possível adivinhar o futuro.
FN deve ser comemorada como uma enfermeira que inaugurou uma nova etapa no desenvolvimento da profissão, que beneficiou e soube aplicar à Enfermagem o novo conhecimento que estava a ser produzido.
Passando ao lado da sua extensa biografia, gostaria de realçar aquilo que mais me impressiona na sua personalidade e os focos da sua ação, isto é, aquilo que considero ser o seu mais valioso legado, um traço da sua personalidade que lhe conferiu uma competência extraordinária no domínio do saber-estar e saber ser: a sua SAGACIDADE política, que designo por competência política. Em que consistia essa competência? Em saber observar e analisar as situações e os problemas, definir objetivos e estratégias, falar e negociar com as pessoas certas, sabendo transigir naquilo que não era essencial, ser perseverante e não desistir, saber mobilizar a opinião pública, ser astuta, saber fazer pressão, arranjar maneira de colocar os problemas na agenda dos decisores políticos, saber argumentar.
Para quem não tem memória curta e conhece a História de Portugal, este tipo de enfermeiros foram indesejáveis durante a ditadura mas hoje, em democracia, é espectável que os enfermeiros com competência política sejam capazes de desconstruir discursos e práticas políticas enganadores e ardilosos.
E em que é que incidiu a sua ação e que hoje continua a fazer sentido? Destacaria 3 áreas que se devem manter na agenda da atual e de futuras gerações de enfermeiros: a formação, hoje com novas questões, as condições de trabalho dos enfermeiros, um velho problema que se mantém e o papel dos enfermeiros nos sistemas de saúde, na promoção da saúde e nos CSP, como é reconhecido pela sociedade, pelo Estado e por organizações prestigiadas como a OMS.
Para além das competências técnico-científicas e relacionais, das quais os enfermeiros sempre deram provas da sua proficiência, quero destacar a tal sagacidade política, a competência política que permitirá influenciar a tomada de decisão a nível micro, médio e macro, no que se refere às políticas e aos cuidados de saúde, uma competência que decorre do seu compromisso social.
Esta competência inclui várias áreas: os vários poderes dentro da própria profissão (hierarquias no local de trabalho, sindicatos, ordem e associações profissionais), a forma como gerem o conhecimento, a informação e as novas tecnologias (informática, teletrabalho, robótica e inteligência artificial), se relacionam com os seus pares e outros profissionais da saúde, como lidam e debatem as diversas ideologias, os poderes político e religioso. 
Será essa sagacidade que permitirá aos enfermeiros responder a algumas inquietações que deixo para reflexão e debate:
De que forma estão os enfermeiros a conciliar o uso crescente de novas tecnologias com o perfil de competências descritos no regulamento do exercício profissional (REPE) e nos padrões de qualidade dos cuidados de enfermagem gerais ou especializados? De que forma estão os enfermeiros a lidar com o seu uso crescente ficando libertos de certas tarefas mas, ao mesmo tempo, esvaziados de procedimentos que tradicionalmente lhes eram atribuídos?
A par disto, que dizer dos enfermeiros que decidem ou permitem que algumas dessas funções mais simbólicas e identificadas com a satisfação das necessidades humanas básicas sejam delegadas nos auxiliares, nomeadamente os cuidados relacionados com a higiene e a alimentação?
Que ganhos e perdas há neste processo de transferência de cuidados devido à inovação tecnológica e à delegação de cuidados “menores”?
Estarão estes cuidados a perder o seu significado e valor como momento privilegiados para uma interação humanizada e terapêutica junto de quem precisa de ser cuidado? Ainda faz sentido falar em “cuidados invisíveis”, dificilmente quantificáveis para a definição de dotações de pessoal, mas imprescindíveis para a qualidade dos cuidados, para o bem-estar e a dignidade humana?
Os registos informatizados do SClínico Hospitalar e do SClínico – (CSP) poderão servir para evidenciar ganhos em saúde, mas não se poderá estar a cair na falácia de que um “padrão de cuidados” pré-definido (output do computador) é que estrutura a intervenção do enfermeiro? Carregar informação acerca do doente e confiar que um algoritmo indique um diagnóstico ou conjunto de diagnósticos, pode ser facilitador para alguns, mas não poderá ser um caminho perigoso para outros, deixando pouco espaço para o juízo clínico?
Por outro lado, a crescente complexidade das situações de saúde e doença, exigem uma abordagem interdisciplinar, que extravasa a área da saúde, obriga ao trabalho em equipa e à utilização da criatividade para contornar obstáculos internos e externos à organização onde os profissionais desenvolvem a sua atividade.
De que forma estão os enfermeiros a dar resposta à emergência de velhas conceções que conferem ao saber médico um caracter de saber central que converte em saberes periféricos os outros saberes profissionais?
O paradigma do CUIDAR, enquanto necessidade da Humanidade, é um desafio exclusivo da enfermagem ou é comum ao conjunto das diferentes profissões da saúde, tal como é reclamado pelo grupo profissional dos médicos – a quem tradicionalmente é atribuída uma função curativa e reparadora – e pelo grupo dos auxiliares em quem os enfermeiros vão delegando tarefas?
Por outro lado, o cenário dos cuidados está a mudar vertiginosamente, com a transferência de cuidados hospitalares para a comunidade (unidades de cuidados continuados e domicílio) ficando reservadas para o hospital apenas os casos graves e agudos e antevendo-se o momento em que predominará um novo contexto de cuidados, a casa-hospital. Serão capazes os enfermeiros de afirmar um desempenho mais autónomo, polivalente e flexível, de gerir equipas multidisciplinares, de favorecer o empoderamento dos cidadãos nas tomadas de decisões em saúde, de promover os direitos e deveres do cidadão, de lidar positivamente com a diversidade, a diferenciação e o multiculturalismo?

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Seminário Internacional Nightingale e o desenvolvimento da enfermagem

7 janeiro, 2020

Escola Superior de Enfermagem de Coimbra
abertura das comemorações do “Ano Internacional do Enfermeiro” e do “Bicentenário do nascimento de Florence Nightingale”

Conferência proferida por Carlos Louzada Subtil

6 breves notas a propósito de Florence Nightingale
ou
Partitura a Florence Nightingale em 6 andamentos

Da biografia de Florence Nightingale (FN) e da leitura da sua principal obra publicada, gostaria de partilhar convosco algumas reflexões.
Os 2 primeiros andamentos para realçar a memória e a história como elementos estruturantes da identidade profissional. O terceiro e quarto para falar sobre a desconstrução de mitos e estereótipos sobre Nightingale e, os dois últimos para conjugar o passado com o presente e o futuro, inspirado no soneto de Luís de Camões:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Muda-se o ser, muda-se a confiança
Todo o mundo é composto de mudança
Tomando sempre novas qualidades

1. PARA QUE SERVE A MEMÓRIA?
Recordar, comemorar é o que estamos a fazer hoje, de forma deliberada e com um propósito, isto é, não o fazemos de forma passiva e a-critica (protomemória).
Recordação e reconhecimento de uma personalidade que (re)presenta um passado histórico individual e coletivo, passado esse que está sujeito a algumas contingências, ao esquecimento e a subjetividades, a mitos e estereótipos, a narrativas apenas de caracter simbólico e imagético e a iniciativas mediadas por instâncias de poder.

2. COMEMORAR É TRAZER À MEMÓRIA, É LEMBRAR, É POR LEMBRANÇAS EM COMUM.
As liturgias da comemoração têm por função inserir as pessoas, neste caso os profissionais, numa cadeia de filiação identitária e de lhes dar sentido de pertença através de elementos identitários socioprofissionais que lhe conferem uma identidade PARA SI, uma identidade de grupo, uma identidade de si para si, endógena.
Numa palavra, somos aquilo que achamos de nós próprios e isso confere-nos alguma proteção exógena.
Mas, como se sabe, este processo identitário joga-se num espaço de interação social e, por isso, a construção da identidade é um processo complexo que também envolve a representação que os outros fazem de nós, isto é, uma identidade DE SI.
Este jogo entre a Identidade DE SI e a Identidade Para SI pode criar tensão, conflitos e frustração.
Vejamos o caso mais recente.
2020, o ano que agora iniciamos, foi eleito pela OMS como o ANO INTERNACIONAL DO ENFERMEIRO E DA PARTEIRA.
O Diretor-Geral da OMS acaba de declarar – com certeza, não o faz por simpatia, di-lo com o sentido de uma estratégia global para a promoção da saúde – que os enfermeiros e as parteiras são a ESPINHA DORSAL de TODOS os sistemas de saúde, convidando todos os países a investir em enfermeiros e parteiras como parte do seu compromisso com a SPT.
Todavia, o Estado Português, as políticas de saúde, as estratégias de recursos humanos refletidas no Orçamento de Estado que está a ser discutido para aprovação, a forma como os nossos pares e alguns setores da sociedade estão desalinhadas com a forma como a OMS acredita no papel dos enfermeiros no desenvolvimento da saúde não apenas nos países em desenvolvimento, mas em todo o mundo.
Este é um tópico que vos deixo para reflexão e ao qual vou voltar mais à frente.

3. MENOS ICONOGRAFIA
Sobre FN têm sido produzidas narrativas, sobretudo de carater simbólico e imagético, que não são compatíveis com a necessidade do rigor historiográfico.
FN é frequentemente apresentada e está no imaginário coletivo como um ícone: a mulher da candeia, a enfermeira da Guerra da Crimeia ou a fundadora da “enfermagem moderna”, expressão de sentido ambíguo e impreciso porque, historicamente, há a Idade Moderna e a Idade Contemporânea, datadas no tempo cronológico. As etapas de desenvolvimento da enfermagem têm de ser vistas à luz de outros marcadores situados nesse tempo histórico.
Estas representações estereotipadas – criadas por outros e alimentadas por alguns de nós – não convêm à História da Enfermagem nem à História das Mulheres.
Enquanto se construiu o mito, mantiveram-se no anonimato ou submersas enfermeiros e enfermeiras que desempenharam um trabalho extraordinário na assistência ao parto, às crianças, aos doentes, aos idosos, aos pobres e aos feridos, nos mais diversos contextos: no hospital, no domicílio ou em cenários de guerra, etc.
Coeva de FN foi Edith Cavell (1865-1915) fuzilada pelos alemães na I Grande Guerra Mundial.
Coeva de FN foi Ana Guedes da Costa que tem uma biografia de grande mérito e reconhecimento na sociedade portuguesa.
Em Portugal, nascida no princípio da segunda década do seculo XX, pode falar-se da Enfermeira Palmira Tito de Morais, uma das primeiras mulheres licenciadas em Enfermagem e em Ciências Históricas e Filosóficas, mestre em Sociologia, Filosofia, Psicologia Social e Antropologia, consultora da OMS e da OIT, fundadora do 1º. Centro de Saúde em Portugal (1940) e presa e torturada durante a ditadura. Também se deve referir Maria Inês Stilwell, Emília da Costa Macedo e tantas outras enfermeiras que criaram as primeiras escolas de enfermagem e as primeiras organizações profissionais, a Liga das Mulheres Portuguesas na 1ª. Grande Guerra ou as Damas Enfermeiras da Cruz Vermelha Portuguesa.
Com certeza que FN foi uma figura grande, mas, tal como ela, muitas outras, em Portugal, em Espanha, no Brasil, nos EU e na Europa tiveram papel de relevo no desenvolvimento da profissão.
A exaltação mítica de FN, como disse, não serve a História da Enfermagem, não pode nem deve ofuscar outras personalidades grandes da enfermagem.

4. PARA A IDENTIDADE PROFISSIONAL É PRECISA MAIS HISTÓRIA
Contextualizemos. FN, filha de uma família tradicional e rica, viveu em plena época vitoriana, no período de florescimento da Revolução Industrial, de grandes desenvolvimentos na saúde e na medicina, com novas perspetivas sobre a higiene e a saúde pública, a saúde mental, a medicina legal, a anestesiologia e a estatística aplicada à saúde e, de uma forma geral, de todas as ciências.
Com a possibilidade de aceder a esse conhecimento, com a possibilidade de aceder ao poder político que lhe era permitido pela sua condição social, independentemente das motivações para se tornar enfermeira, estavam criadas as condições para poder levar por diante os seus projetos.
Na sua biografia, também não devem ser omissos outros aspetos da sua personalidade, pensamento e ação, nomeadamente a controvérsia que gerou em algumas outras enfermeiras acerca da sua visão sobre as questões de género e da autonomia das mulheres.

5. PRINCIPAIS LEGADOS DE FN
FN deve ser comemorada como uma enfermeira que inaugurou uma nova etapa no desenvolvimento da profissão, que beneficiou e soube aplicar à enfermagem o novo conhecimento que estava a ser produzido, assim como, mais tarde o fizeram as enfermeiras que representam a primeira geração de teorias e modelos de enfermagem (Virgínia Henderson, Hildegard Peplau, Dorothea Orem, Callistra Roy ou Betty Neuman).
Prefiro fixar-me no seu legado que ainda hoje é atual e que, na altura, incidiu em 3 áreas que têm sido pouco valorizadas, mas que se devem manter na agenda das atuais e futuras gerações de enfermeiros: a formação, hoje com novas questões, as condições de trabalho dos enfermeiros, um problema principal e o papel dos enfermeiros nos sistemas de saúde, na promoção da saúde e nos CSP.

6. DESAFIOS PARA O PRESENTE E O FUTURO
Para além das questões que acabei de enunciar, quero, para terminar, referir-me a uma dimensão pouco enfatizada e até ignorada na biografia de FN: a sua SAGACIDADE política, a que hoje chamamos competência política e que é uma dimensão a desenvolver.
Sobre este assunto, devo dizer que esta dimensão sempre foi sufocada pelos regimes de ditadura, pelo que conheço de Portugal, Espanha e outros países da América Latina. Mas também é preciso denunciar que, em regimes democráticos, há sinais discretos e ardilosos nos discursos e práticas políticas que convém desmontar, como os que recentemente ouvimos a propósito do Ano Internacional do Enfermeiro e da Parteira.
Para além das competências técnico-científicas e relacionais, o enfermeiro deve desenvolver a capacidade para influenciar a tomada de decisão política a nível micro, médio e macro, no que se refere às políticas de saúde, competência que, aliás, decorre do seu compromisso social.
Esta competência inclui várias áreas, a saber: a relação com os vários poderes dentro da própria profissão (hierarquias no local de trabalho, sindicatos e OE, a relação com o conhecimento e a informação, a relação com os pares e os outros profissionais da saúde, a relação com as ideologias, os poderes político e religioso e com a informática e a tecnologia (robótica e inteligência artificial).

Seminário Internacional Nightingale e o desenvolvimento da enfermagem Read More »